Casal relata ao STF aborto de feto anencéfalo

O primeiro a falar no terceiro dia de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o polêmico assunto de antecipação do parto de fetos anencéfalos – sem parte do cérebro -, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão parecia ser o destaque do dia, mas foi ofuscado pelo depoimento do casal Michele e Ailton de Almeida. O casal, de Recife, recebeu em 2004 o diagnóstico de que o primeiro filho que esperavam tinha anencefalia. A mãe interrompeu a gestação em um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) quando estava grávida de quatro meses.

Acompanhados das filhas Nicole, de 3 anos, e Vitória, de 2 meses o casal veio a Brasília para assistir à audiência e para dar um depoimento pessoal sobre o processo pelo qual passa uma família quando recebe o diagnóstico de que o feto esperado tem anencefalia. Ela não teve de pedir autorização da Justiça para ser submetida ao aborto. Na época, vigorava uma liminar concedida pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello que liberou a interrupção de gestações de fetos com anencefalia. Posteriormente, A liminar foi cassada pelo plenário do STF.

“Se eu não estivesse amparada pela lei e pelos médicos, eu acho que talvez eu não tivesse construído uma nova família”, afirmou Michele. Ela disse que teve uma sensação de “paz e alívio” após ter antecipado o parto de seu filho anencéfalo. Ailton contou que o casal queria muito o filho, que chegou a ser concebido após um tratamento para engravidar. “Eu trabalho como vigilante. Tenho de lidar com meliantes”, contou. “Eu quase desabei, não sabia o que fazer (quando recebeu o diagnóstico)”, disse.

Michele é personagem de um filme sobre anencefalia apresentado na audiência pela representante da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Lia Zanotta Machado. No filme, também é contada a história da jovem Érica Souza do Nascimento, de São Paulo, cujo primeiro filho também tinha anencefalia. Ela também interrompeu a gestação graças à liminar de Marco Aurélio.

Érica disse que na época uma pessoa religiosa chegou a aconselhá-la a manter a gestação porque Deus providenciaria um cérebro para o bebê. Hoje, a jovem tem uma filha saudável e disse que, após o nascimento dela, conseguiu esquecer o drama vivido na primeira gestação. “Foi como se apagasse da minha memória depois que ela nasceu”, afirmou.

Temporão

Para o ministro da Saúde não há sentido em manter gestações de fetos anencéfalos quando a mãe não quer se submeter a uma gravidez que em 100% dos casos resultará em morte. “Há certeza absoluta de morte (dos fetos com anencefalia)”, afirmou.

A socióloga e cientista política Jacqueline Pitanguy defendeu que as mulheres tenham o direito de decidir se querem ou não manter a gravidez de feto anencéfalo. “O direito de escolha é um ato de proteção e solidariedade à dor e ao sofrimento das mulheres que vivenciam uma gravidez de feto anencéfalo, anomalia incompatível com a vida em 100% dos casos”, disse.

Já o medico Dernival da Silva Brandão, que trabalha há 50 anos como obstetra, afirmou que as mulheres que abortam ficam com remorso. Segundo ele, manter uma gravidez de feto com a anomalia aumenta a dignidade da mãe. “A mãe não pode ser chamada de caixão ambulante, como dizem por aí. Pelo contrário, ela tem sua dignidade aumentada por respeitar a vida do seu filho”, afirmou.

Data

O ministro do STF Marco Aurélio Mello, relator da ação que definirá se será ou não liberada a antecipação dos partos de anencéfalos, convocou uma nova audiência pública, para o dia 16. A expectativa da Corte é de que a ação seja julgada pelo plenário do tribunal até o final deste ano.