Brasília – Até mesmo no Congresso a maior preocupação com o sistema de financiamento de campanhas é relativa ao chamado caixa dois, que foge a qualquer fiscalização. Com o escândalo Waldomiro Diniz, não é apenas no PT que os dirigentes estão com as barbas de molho. Outros partidos também estão recomendando atenção redobrada na captação de doações para as campanhas.
A imagem do ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz pedindo propina para financiar candidatos do PT pode ter um efeito devastador na campanha do partido este ano. Preocupado, o presidente do PT, José Genoino, decidiu que o partido vai adotar, na reunião do diretório nacional em abril, regras para disciplinar as doações para as campanhas petistas às eleições municipais de outubro.
A proposta é reproduzir em escala nacional regras como as adotadas em 2002, no Rio Grande do Sul, para afastar qualquer estigma de que campanhas e candidatos do PT são financiados com dinheiro de atividades ilícitas. Entre os setores e atividades econômicas que não poderão financiar petistas estão o jogo do bicho, o tráfico e os relacionados a trabalhos degradantes.
“O PT é um partido popular e está muito exposto. Precisamos tomar cuidados especiais. Vamos adotar regras sobre quem deve receber doações, de quem receber e quem não deve ser procurado. Nas eleições municipais é difícil o controle. Por isso, o PT tem que escolher pessoas e fixar regras rígidas”, diz Genoino.
Aprovada em maio de 2002, a resolução do PT gaúcho dizia em seu item C que “não serão aceitas doações vetadas legalmente e de setores que se contrapõem ao nosso projeto”. Foi a forma encontrada pelo partido para se desvencilhar do escândalo ocorrido em 2001, quando tornou-se público um grampo em que o tesoureiro da campanha de Olívio Dutra, Diógenes de Oliveira, pedia ao chefe da Polícia Civil para abrandar a repressão ao jogo do bicho pois a contravenção teria financiado parte dos R$ 6 milhões gastos na campanha em 1998.
Os petistas estão convencidos de que é preciso fazer mais para provar que o partido não faz campanha com dinheiro ilícito nem tolera segmentos que atuam à margem da lei. “O PT vai examinar a lista de candidatos, sobretudo nas capitais e nos principais municípios. Eles serão instruídos a divulgar o nome de doadores”, diz Genoino.
Enquanto isso, a oposição acusa o PT de estar organizando um supercaixa de campanha e chega a dar nomes de pessoas que estariam arrecadando recursos. O tesoureiro da executiva nacional do PT, Delúbio Soares, nega que isso esteja ocorrendo.
Delúbio é o ministro secreto de Lula
Goiânia
– O ex-professor de matemática Delúbio Soares não tem cargo no governo, mas a condição de secretário nacional de Finanças e Planejamento do PT e ex-tesoureiro da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva lhe dá credenciais de ministro de Estado em gabinetes país afora. É o que acontece, por exemplo, em seu estado natal, Goiás, onde Delúbio faz acordos em nome do governo federal, negocia ações parlamentares e indica parentes para cargos públicos. Chegou a enterrar uma CPI na Assembléia e agora articula o apoio do governador Marconi Perillo (PSDB) à reeleição do prefeito Pedro Wilson (PT).Delúbio participou ativamente da renegociação da dívida da Companhia Elétrica de Goiás com o sistema Eletrobrás/Furnas/Itaipu. Com o acordo fechado em janeiro, a companhia terá 18 anos para pagar R$ 1,081 bilhão.
De onde vem tanto poder para este ex-professor? Delúbio Soares é o principal responsável pela arrecadação de recursos na campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele confirma que reuniu-se com empresários em 2002 e conta que 14 mil potenciais doadores, entre pessoas jurídicas e físicas, receberam material de campanha e que foi montada uma central telefônica que contatou dez mil pessoas. Essa experiência vai se repetir este ano, agora numa dimensão proporcional ao tamanho de cada município.
Aos amigos mais íntimos, o tesoureiro do PT confidenciou que pretende concorrer a uma vaga no Senado por Goiás em 2006. Caso consiga, será o coroamento da trajetória do menino pobre, filho de pecuaristas semi-analfabetos de Buriti Alegre, que se mudou para Goiânia aos 15 anos, em 1972, para fazer o colegial e falsificava carteirinhas da Universidade Federal de Goiás para comer de graça no restaurante universitário. “Comer no restaurante universitário foi uma das minhas alegrias daquela época. Por muito tempo só tive dinheiro para o almoço”, diz Delúbio.
Mesmo que não consiga se eleger senador por Goiás, Delúbio não tem do que reclamar. Dos tempos das carteirinhas falsificadas e cachaça barata nos botequins goianienses aos dias de hoje, o que restou foram o sotaque caipira e o gosto pela música sertaneja. Delúbio foi quem levou Zezé Di Camargo e Luciano para a campanha de Lula.
Com salário de R$ 5 mil pago pelo PT, Delúbio mantém hábitos caros como o gosto pelos charutos cubanos Cohiba, restaurantes finos e ternos bem cortados, além de um apartamento no elegante bairro dos Jardins, em São Paulo, e uma confortável casa em Goiânia, onde vai pelo menos uma vez por mês.
Caixa dois não tem nenhum controle
Brasília
– O presidente da comissão especial que aprovou o anteprojeto da reforma política, o deputado Alexandre Cardoso (PSB-RJ) acredita que nas eleições municipais deste ano o gasto não declarado ficará entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões. Para ele, só em municípios como o Rio de Janeiro os candidatos deixarão de declarar R$ 150 milhões: “Esse será o custo de forma subterrânea, de doadores que preferem não se identificar porque ajuda a não levantar suspeita quando forem influenciar e garantir benefícios. Na eleição, o ilegal terá mais peso que o legal”, diz ele.Mas, sejam governistas ou de oposição, todos admitem: numa eleição tão pulverizada como a de prefeitos e vereadores é impossível ter controle absoluto da origem dos recursos obtidos pelos candidatos. “Tenho recomendado aos deputados que, na dúvida, não façam nada que possa causar constrangimento ao partido. Mas a base é muito grande. Não há como controlar”, diz o líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO).
Presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson (RJ) até estuda a possibilidade de o comando nacional adotar um sistema de arrecadação, mas descarta a necessidade de adoção de regras internas para a captação de recursos. O presidente do PMDB, Michel Temer (SP), diz que, com a arrecadação descentralizada, é de difícil aplicação qualquer tipo de controle. O secretário nacional de Finanças do PSB, Alexandre Cardoso (RJ), diz que o partido vai delegar às direções estaduais e municipais a tarefa de arrecadar dinheiro.
No PFL, o tesoureiro Saulo Queiroz descarta as chances de o partido ter, a exemplo do PT, um fundo nacional para as eleições municipais. No PFL, a colaboração dos filiados tem valor simbólico, já que senadores e deputados contribuem com R$ 20 por mês. O secretário-geral do PSDB, Bismarck Maia (CE), afirma que o partido também fará captação nacional.


