Brasil é destaque mundial em repetência escolar

Brasília – De cada cinco alunos que começaram a cursar este ano o ensino fundamental ou médio no Brasil, um deve receber uma má notícia daqui a dois meses, quando terminarem as aulas: ele vai repetir de ano. O dado, do Instituto Nacional de Pesquisa Educacional (INEP), do Ministério da Educação, forma um quadro ainda mais grave em conjunto com o que aponta outra pesquisa, realizada pela Unesco: apenas cinco países da África superam o Brasil em índices de repetência no ensino fundamental, numa comparação entre 107 países.

Problemas como a falta de estrutura nas escolas e também o pouco interesse dos pais em manter os filhos no colégio encaminharam-se para a extinção com o advento de programas de transferência de renda como o Bolsa-Escola e o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). Ao longo dos anos, o MEC teve uma política acirrada de investimentos no ensino fundamental e, mesmo assim, os índices de repetência diminuíram menos do que o previsto. Já o ensino médio, considerado o “primo pobre” do sistema, por não ser obrigatório, enfrenta a realidade da falta de recursos e a inadequação dos currículos de estudantes que atravessam a conturbada fase da adolescência.

Para o professor e pesquisador Rubem Klein, responsável pelas estatísticas do Laboratório Nacional de Computação Científica do Ministério da Ciência e Tecnologia, nenhuma justificativa consegue explicar o que os números traduzem tão bem: a persistência dos altos índices de repetência escolar.

Historicamente, as primeiras séries são pólos de concentração do problema. “Cerca de 50% dos repetentes estão nas primeiras séries do fundamental e médio. A cultura que se criou em relação ao novo, ao que estar por vir, causa um clima de seleção e instinto de alta rigidez por parte dos professores, que, nessas séries, não admitem que o aluno seja apenas bom. Para passar, ele precisa ser ótimo”, diz o professor, que é consultor da Fundação Cesgranrio.

Os professores, inconscientemente, cobram mais dos alunos nessas séries. Quando o aluno não apresenta o retorno esperado, é incentivado pelo próprio professor a repetir a série, para não passar raspando e fazer melhor a mesma série no ano seguinte. “A dificuldade em exames de avaliação é muita relativa. Depende do professor, do sistema pedagógico, do aluno, de tudo. Notas de zero a dez, absolutas, não mostram o conhecimento que é adquirido pelo aluno”, diz o professor.

Ele lembra que o sistema de ensino brasileiro, e todos os outros derivados do sistema implantado por Portugal desde os tempos dos jesuítas e mais no final do século XIX, é altamente seletivo e punitivo. “A filosofia dos professores e das escolas sempre foi excludente. Existia até exame para passar do primário para o ginásio até 1971. Um pensamento de que a escola é para poucos”, afirma Klein.

Escolas manipulavam os números

Brasília

– O professor Ruben Klein alerta para um problema. Até o início dos anos 90, o método de pesquisa sobre repetência, utilizado pelo MEC, não considerava o número real de alunos que repetiam as séries. Somente depois de 1991 é que o ministério adotou o método correto. “Antes, era considerado repetente todo aluno que era reprovado ou que não completava o ano, contando como evasão escolar. Mas, as escolas, para evitar baixas taxas de aprovação, não contabilizavam o número de alunos matriculados desde o início e sim na renovação da matrícula, realizada no final do ano. Assim, a conta de reprovados sempre era menor em relação à situação real”, explica ele.

O pesquisador ressalta que esse erro foi detectado e, a partir daí, os dados do Censo Escolar começaram a ser mais condizentes com a realidade. “A busca por melhores taxas de aprovação fez com que muitas escolas que percebiam o mau rendimento do aluno o encorajassem a deixar a sala de aula para retornar no ano seguinte na mesma série”, revela o professor. O bom desempenho dos alunos era necessário para afirmar o caráter da instituição de ensino. “No Rio de Janeiro, existia o pensamento de que aluno reprovado não entra na instituição X ou Y. Outras escolas utilizavam o slogan: “Aqui não há repetentes!?, para se autopromover. Era muito comum”, conta. Para o professor, além do problema da mentalidade, incorporada ao sistema educacional brasileiro, existe a falta de qualidade nas escolas. “É claro que, se você não aprende nada em um ano, vai continuar não aprendendo nada em dois ou três anos. Mas, se você aprende alguma coisa, pode acrescentar mais conhecimento com mais anos.”

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