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Bolsonaro festeja suspensão de teste de vacina; SP cobra resposta da Anvisa

No mais estridente episódio da guerra da vacina contra a Covid-19 aberta entre Jair Bolsonaro (sem partido) e João Doria (PSDB), o presidente chamou de vitória pessoal a suspensão dos testes com a Coronavac.

A vacina teve seus ensaios de fase final suspensos na noite de segunda-feira (9) pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), abrindo uma crise entre os governos federal e paulista.

Até o STF (Supremo Tribunal Federal) entrou no jogo, com o ministro Ricardo Lewandowski dando 48 horas à agência para explicar seus critérios no caso da Coronavac. Ele havia sido provocado por um pedido da Rede.

O motivo da suspensão foi a morte de 1 dos 13.060 voluntários brasileiros do imunizante chinês, que se for eficaz será coproduzido em São Paulo pelo Instituto Butantan e é bandeira da gestão de Doria.

Só que o óbito, de um químico de 32 anos que participava do grupo do Hospital das Clínicas da USP, foi atribuído pela polícia a um suicídio -há a possibilidade aventada também de uma overdose. Logo, sua morte não tem nada a ver com a vacina. Não se sabe também se o voluntário tomou a Coronovac ou um placebo.

Assim, informado pelo Butantan, o Comitê Internacional Independente, que avalia ensaios vacinais no mundo todo, recomendou em nota à Anvisa a retomada dos testes.

O mesmo foi feito pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa, órgão que com a Anvisa regula o tema no Brasil. Sem comentar mérito, a agência está avaliando.

Sem falar no suicídio por questões de confidencialidade inerentes a estudos com voluntários, desde segunda integrantes do governo paulista descartavam casualidade entre a morte e a vacina.

Isso não impediu Bolsonaro de ir ao Facebook e escrever: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”, escreveu como resposta a um seguidor.

“O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, completou.

A frase foi amplamente condenada por políticos de diversas colorações partidárias.

Bolsonaro já tem um acervo de críticas por seu comportamento na pandemia, que seguidamente minimiza.

Mesmo nesta terça, com mais de 160 mil mortos pelo novo coronavírus contados, disse que o Brasil não poderia ser um “país de maricas” ao enfrentar a crise.

Seu embate pessoal com Doria, que assumiu o antagonismo ao Planalto no manejo da pandemia, mira a eventual disputa entre os dois na corrida presidencial de 2022.

Bolsonaro já havia desautorizado seu ministro da Saúde, que havia prometido comprar 46 milhões de doses do imunizante chinês por São Paulo.

A reação da equipe de Doria foi comedida. O governador evitou se expor publicamente, como costuma fazer, e deixou para seu time da saúde uma entrevista coletiva sobre o caso. O diretor do Butantan, Dimas Covas, foi assertivo ao afirmar que não havia riscos para os voluntários. “Isso só causa angústia”, afirmou.

João Gabbardo, coordenador-executivo do centro de contingência da Covid-19 no estado, afirmou que a distância entre a aplicação no voluntário e a morte, 25 dias, também faziam descartar quaisquer interações no caso de ele ter recebido o fármaco.

Nenhum dos dois falou sobre a morte em si.

Na noite anterior, o próprio Covas havia deixado escapar que havia um óbito não relacionado com a vacina ao falar na TV Cultura, mas depois disse que falava em hipótese.

“Fomentaram um ambiente que não é muito propício pelo fato de essa vacina ser feita em associação com a China. Fomentaram esse descrédito gratuito. A troco de quê?”, questionou Covas.

O que mais contrariou o governo paulista foi suspensão, feita sem aviso prévio.

O voluntário morreu no dia 29 de outubro, como a Folha adiantara na segunda. Dentro do prazo legal de sete dias, o HC informou tanto a Anvisa quanto a Conep do episódio, tratado como um chamado evento adverso grave.

Nesses casos, após uma checagem, testes podem ser suspensos para uma avaliação mais precisa. Isso já ocorreu com pelo menos duas outras vacinas em ensaios, a da AstraZeneca e a da Janssen.

A morte havia sido relatada no dia 6, mas ficou três dias parada no sistema da Anvisa por problemas técnicos. “Às 15h da segunda foi enviado um ofício informando o problema e pedindo dados, dando um dia de prazo”, disse à Folha Covas.

“Às 18h, um segundo ofício pedia os dados, e os enviamos. Quase três horas depois, eles nos convidaram para uma conversa nesta terça e, logo depois, suspenderam os testes sem nos avisar. Um telefonema teria resolvido.”

Além disso, a divulgação da decisão da suspensão na noite de segunda, 38 minutos após um email ter sido enviado ao Butantan convidando para a discussão virtual do caso na manhã seguinte, causou em São Paulo a impressão de busca por um desgaste político.

A reunião, às 9h desta terça, foi tensa. Covas transmitiu os dados referentes ao caso e, na sequência, foi enviado por email o relatório completo assinado pelo responsável no HC do estudo, Esper Kállas, colunista da Folha.

A Anvisa afirma que não recebeu nada e, no começo da tarde, tentou se explicar em entrevista coletiva. Falou sobre as questões mais óbvias, como a necessidade de proteger voluntários ao menor sinal de problemas, mas se enrolou ao tentar explicar o imbróglio das mensagens paradas em seus servidores de email.

Seu diretor-presidente, o almirante Antonio Barra Torres, foi direto contudo ao dizer por que decidiu a suspensão sem antes ouvir o Butantan. Para ele, essa não é a função do órgão regulador.

O militar afirmou que manteve a suspensão depois da reunião porque considerava as respostas insuficientes.

Sugeriu então que o instituto fizesse um recurso ao Comitê Internacional para que o caso fosse analisado. A resposta veio às 16h41 e está agora nas mãos da Anvisa.

Barra Torres também afirmou que não recebeu informação sobre o suicídio, que ele tratou como hipotético, por canais oficiais, o que não é verdade segundo o relato de Covas. O almirante criticou a politização do caso, dizendo que há “uma guerra política lá fora”.

Não há um cronograma pétreo acerca de vacinas da Covid-19, mas a expectativa dos chineses é ter a fase 3 da Coronavac concluída até o fim deste mês, o que poderá abrir o caminho para seu registro no Brasil –responsabilidade da Anvisa. O estudo de segurança até aqui a aprovou, restando saber sua eficácia.

Doria comprou 46 milhões de doses para entrega até o fim de dezembro, 40 milhões delas em forma de insumos a serem formulados no Butantan. Se tudo der certo, a vacinação pode começar em janeiro do ano que vem.

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