Demanda reprimida

Bares brasileiros terão salto de recuperação quando puderem voltar a abrir, apontam analistas

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Segundo o projeto de lei, bares poderão funcionar como restaurantes. Foto: Freepik

Segmento da economia mais afetado pela pandemia do coronavírus junto do mercado de eventos, os bares brasileiros ainda passarão por mais dificuldades antes de começarem efetivamente uma recuperação. É o que explicam especialistas ouvidos pelo Bom Gourmet Negócios com base em uma pesquisa recente divulgada pela consultoria britânica de mercado CGA.

O levantamento sobre a difícil situação dos pubs ingleses também afetados pela pandemia encontra semelhanças com o cenário vivido no Brasil, em que bares abrem e fecham (em um formato diferente do tradicional) de acordo com o avanço da doença e os decretos sanitários impostos. No Reino Unido, por exemplo, também houve uma explosão de novos casos logo após o verão, com um lockdown rígido para segurar a curva de infecção.

De acordo com a pesquisa da CGA, as vendas nos pubs ingleses tiveram uma queda de 33,6% em outubro, no começo do outono no hemisfério norte, e de 87% em novembro, quando as restrições foram endurecidas. Para Simone Galante, CEO da Galunion Consultoria, que analisa o mercado brasileiro de food service, o mesmo pode ocorrer por aqui.

“Podemos sim ver quedas importantes, principalmente em bares caso a quarentena e o consumo interno continue proibido. Antes de novembro tínhamos 23% dos operadores com vendas iguais ou superiores do que no ano anterior, mas infelizmente tudo caiu com o aumento dos casos”, explica.

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Em números, o que se viu no Brasil neste começo de ano é semelhante ao visto no Reino Unido pela comparação com o período pré-pandêmico. O Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), que calcula as vendas do varejo a partir de dados gerados pelo uso das maquininhas de pagamento, apontou uma queda de 34,9% no faturamento de bares e restaurantes brasileiros no mês de janeiro, já deflacionado, na comparação com o mesmo mês de 2020 – portanto, antes da pandemia.

“No Brasil o cenário foi acompanhamento de manobras políticas atrapalhadas e equivocadas que geraram ainda mais prejuízos aos bares e restaurantes. Nesse momento vivemos o fim do verão, onde todos imaginavam uma recuperação ascendente, e o que vivemos foi novamente o fechamento do setor diante ao aumento de números de casos, com uma projeção de faturamento reduzida de R$ 235 bilhões para R$ 215 bilhões segundo a Abrasel”, diz Adalberto Santos, especialista em food service e sócio-fundador da Guersola Consultoria.

Para ele, ainda é difícil prever uma recuperação neste momento, já que muitos operadores saíram de 2020 com dívidas acumuladas e um verão que não foi suficiente.

Realidade de abre e fecha

Proprietário de duas redes com 68 bares espalhados pelo Brasil, José Araújo Neto vê tanto o cenário presente como futuro no Brasil semelhante ao previsto para os bares ingleses, com um único detalhe diferente. Enquanto lá as pesquisas indicam que apenas 1/3 da população pretende voltar a frequentar os bares após a flexibilização das medidas restritivas, ele acredita que aqui há outros aspectos que motivam as pessoas a voltarem às ruas.

“Sempre depois de uma semana de fechamento, como tivemos recentemente, há uma corrida de volta aos bares. Vejo que o público que frequenta não tem tanto medo. Quando a gente fala deste 1/3, acredito que seja de restaurantes mais sofisticados, o público mais velho tem mais consciência e faz um pouco mais de restrição”, diz o empresário à frente das redes Mr. Hoppy e Porks.

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Para ele, quem já tinha o hábito de frequentar bares e restaurantes duas a três vezes por semana continua tendo, e isso não será alterado. O principal problema a se considerar agora é a chegada do inverno, que provocou mais perdas na Inglaterra e que aqui não deve ser diferente se não houver um cenário de mais pessoas vacinadas no horizonte.

Já Adalberto Santos considera que, apesar da corrida aos bares com a flexibilização mais recente, o setor ainda tem perdas consideráveis que afetam o desempenho atual e futuro. Ele destaca que 64% dos bares e restaurantes já demitiram mais de um terço da equipe.

“Alguns operadores saíram de 2020 com dívidas acumuladas, o verão teve efeito refrigero para alguns e para muitos não foi suficiente. Os números mostram que aproximadamente 1 milhão de estabelecimentos existentes no país antes da pandemia, 30% a 35%, fecharam as portas de vez”, diz ressaltando que o nível de vendas do setor está 40% abaixo do normal segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

Enquanto que o Brasil viu um encolhimento no consumo e no tamanho do mercado, com poucas medidas de auxílio do poder público, os bares, restaurantes e pubs do Reino Unido tiveram uma ajuda bilionária do governo no verão passado. O programa “Eat Out to Help Out” pagou metade do valor das refeições servidas ao longo do mês de agosto até um máximo de £10 por pessoa (R$ 67 na época) – o que segurou a queda no faturamento para apenas 9,4% na comparação com o mesmo período de 2019.

No entanto, com o fim do programa, a queda nas vendas nos pubs começou a acelerar e retraiu a 17,7% em setembro, 33,6% em outubro, até chegar aos 87% em novembro e recuperar apenas 6% em dezembro.

Salto de recuperação

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A recuperação dos bares brasileiros vai depender principalmente do ritmo da vacinação no país. Foto: Freepik/ Drobotdean

Embora a recuperação dos bares brasileiros ainda dependa de um rápido avanço na vacinação, o que ainda está nebuloso no horizonte, a expectativa dos analistas de mercado é de que haverá um salto na retomada das operações e do faturamento. No relatório da CGA, a economista-chefe do Banco da Inglaterra afirma que “há uma enorme quantidade de energia financeira reprimida esperando para ser liberada” e, uma vez que as restrições sejam suspensas, haverá uma corrida para recuperar o atraso na socialização impulsionar a recuperação.

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“O cenário atual mostra que sim, hoje temos uma demanda reprimida e que deverá aquecer o mercado no pós-pandemia da Covid-19. Vale destacar que os setores que sofreram com os efeitos da crise durante o distanciamento social possivelmente serão os primeiros a reagir na retomada do consumo”, ressalta Adalberto Santos.

Mas não será uma recuperação uniforme, segundo o que se prevê na Inglaterra. Por lá, os pubs nos centros das cidades podem ficar estagnados por um pouco mais de tempo, com o atraso no retorno dos trabalhadores aos escritórios, mudanças permanentes nos arranjos de trabalho e uma lenta recuperação do turismo internacional, que acaba levando turistas a zonas centrais.

“Eu mesmo vendi uma das minhas operações no centro de Curitiba por conta deste fator, entre outros. Já estava enxergando o centro mais diferente, até por isso comecei a abrir nos bairros”, cita José Araújo Neto.

O estudo sugere que os proprietários de bares mantenham os cuidados adotados durante a pandemia mesmo depois que houver a flexibilização e a devida melhora de todo o cenário. Segundo analistas, o consumidor vai manter no seu dia a dia os novos hábitos de comportamento.

“Esperamos que nos grandes centros urbanos e zonas de turismo e eventos, tudo volte com força assim que o risco estiver realmente mitigado”, completa Simone Galante.

Entre os cuidados que devem ser mantidos, estão:

  • As soluções de tecnologia podem ser usadas para minimizar os pontos de contato entre a equipe e os clientes durante o serviço de comida e bebida, para reduzir o risco de transmissão.
  • Oferecer um serviço de entrega ajudará a aumentar o comércio quando os bares reabrirem, e gerará receita para os clientes que relutam em visitá-los pessoalmente.
  • Incentivar os clientes a reservar mesas com antecedência é um passo que os bares podem tomar para evitar filas e manter o distanciamento social.
  • Aplicativos que avisam os clientes quando os banheiros estão ocupados ou vazios podem ajudar a evitar que as pessoas se reúnam em espaços restritos.

“O objetivo final dessas adaptações é fazer com que os clientes se sintam mais confiantes ao visitar os bares durante a reabertura. A esperança é que eles continuem voltando para mais e impulsionem a recuperação do setor à medida que todos nós nos adaptamos à ‘nova normalidade’”, conclui o relatório da CGA.