Alugam-se áreas da floresta amazônica

O geógrafo Aziz Ab?Saber, da SBPC
e USP: projeto é um escândalo.

Brasília – O geógrafo Aziz Ab?Saber, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor emérito do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), afirma que se o projeto de lei de gestão de florestas públicas, de autoria do governo, for aprovado como está, irá permitir a entrega de parte da floresta amazônica a grupos internacionais. Segundo o geógrafo, esses grupos desconhecem como fazer uso sustentável na região.

Para ele, o projeto é o maior escândalo em relação à inteligência brasileira de todos os tempos. ?Partiu do Ministério do Meio Ambiente, forçado por gente que era de organizações não-governamentais (ONGs). Todas as ONGs estão dentro do ministério, com algumas das pessoas mais cretinas desse País?.

Ab?Saber diz que é preciso saber que as pessoas que estão ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foram até a Suíça oferecer o gerenciamento de algumas florestas nacionais (Flonas) para os estrangeiros. Segundo ele, partiu do ministério a idéia de propor aluguel das Flonas para empresas particulares, sejam brasileiras ou internacionais. Ab?Saber considera que isso será um crime histórico, porque as Flonas foram preservadas no passado como possíveis áreas de exploração sustentável, mas houve uma mudança de quadro: agora todas as áreas foram perturbadas. ?Era hora de dar o direcionamento para utilizar as Flonas como reservas de biodiversidade intocáveis. E o governo não sabe mudar o ideário em função da necessidade de defender a Amazônia?.

Ab?Saber afirma que fica indignado com a expressão que consta no projeto, dizendo que as florestas serão concedidas para ONGs estrangeiras. ?Depois tem uma frase assim, bem curtinha, ?desde que seja para um gerenciamento auto-sustentado?. Como se as pessoas que estão na Suíça, na França, ou em qualquer parte da Europa Ocidental, tivessem capacidade para fazer um gerenciamento auto-sustentado de uma área que eles mal conhecem?.

Para o geógrafo, o mais grave é que se as Flonas forem concedidas a organizações, instituições e empresas estrangeiras e mais tarde outros governos quiserem retomar essas áreas, a discussão não poderá ser feita em instituições jurídicas nacionais, mas em foro internacional. ?E, ao mesmo tempo, eles acham que as Flonas alugadas vão ser trabalhadas de modo discreto, limitado, por 30 ou 60 anos. Eu acho que o povo brasileiro tem que estar consciente de tudo isso que está acontecendo?, alerta.

Poder paralelo

Ab?Saber afirma que não é só desmatamento da região amazônica que é preocupante. Para ele, há uma série de fatos recentes que demonstram uma espécie de estado paralelo formado por fazendeiros e madeireiros. ?Os fazendeiros fazem o que querem, desafiando o poder público. Dão um atestado de que eles estão tentando se isolar de qualquer presença do estado. Além deles, tem também os madeireiros, que confabulam com os fazendeiros e compram as árvores que sobram à medida que as atividades dos primeiros avançam?, diz.

Mesmo com instrumentos tecnológicos de observar a Terra a partir de satélites, Ab?Saber avalia que o Ministério do Meio Ambiente está ?enfraquecido?. Ele afirma que segundo levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados na semana passada, a Amazônia perdeu uma área de mais de 26 mil quilômetros quadrados de agosto de 2003 a agosto de 2004, o que corresponde a um território quase do tamanho de Alagoas.

O geógrafo considera que a falta de gerenciamento dá abertura para os grupos interessados nos recursos da Amazônia. Ele diz que não é só a floresta, mas a água doce, os recursos minerais, uma série de produtos como fármacos e outros que têm importância econômica e social. ?E ainda pelo petróleo que foi descoberto no oeste da Amazônia, na Amazônia Ocidental. Ela, com seus 4,2 milhões de quilômetros quadrados de zona equatorial, é uma reserva de biodiversidade máxima do planeta Terra?.

?Amazônia não será salva só com polícia, mas com medidas econômicas?

Brasília – O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco, afirma que o governo vem adotando as medidas necessárias para combater o desmatamento na Amazônia, divergindo das declarações do geógrafo Aziz Ab?Saber.

Segundo ele, a iniciativa do projeto de lei de gestão de florestas públicas não tem nada a ver com pressão de ONGs, que não irão fazer o manejo e que, nesse sentido, não terão nenhum benefício. ?Nosso entendimento é o de que o desmatamento não será combatido com controle. Só conseguiremos preservar a floresta se, em termos de emprego e geração de renda, ela for mais interessante de pé do que derrubada?.

Conforme Capobianco, o objetivo do governo para as florestas públicas é mantê-las públicas e como florestas. Ele afirma que a Amazônia não será preservada só com polícia, mas também com medidas de macroeconomia. ?Com relação a qualquer vínculo internacional, o que cabe esclarecer é que o manejo só será permitido a cooperativas nacionais e empresas regularmente constituídas no Brasil?.

Segundo Capobianco, o governo atual possui um recorde histórico na criação de reservas na Amazônia. ?Foram 8,3 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 60% são áreas de proteção integral. E o uso sustentável, previsto nos outros 40% das áreas, também promove a proteção à biodiversidade?. Para ele, é uma visão estreita essa de que proteção e desenvolvimento não são compatíveis.

Sobre as declarações de Ab?Saber de que o MMA estaria enfraquecido, Capobianco afirma que já foi realizado em 2005 um conjunto de operações de inteligência que resultou na apreensão de 75 mil metros cúbicos de madeira. ?Isso em quatro meses. Em 2002 inteiro tinham sido apreendidos 40 mil metros cúbicos. Nunca se fiscalizou tanto como agora?, considera.

Segundo o secretário, a capacidade de desmatar foi intensificada. Como exemplo ele dá o Mato Grosso – estado que respondeu por 48,1% do desmatamento total na Amazônia entre agosto de 2003 e agosto de 2004 – que iniciou o desmatamento em janeiro, época de chuva. ?Normalmente isso acontecia a partir de abril?, explica.

Capobianco afirma que foram ouvidos vários especialistas em dezenas de ocasiões no projeto de lei de gestão de florestas públicas e em outros projetos. A proposta, ressalta o secretário, passou por reuniões, seminários. ?Foi aprovada pela Comissão Nacional de Florestas na qual governo, academia, empresários, estados, municípios, ONGs e a própria Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência estavam representados. O que há é divergência de visão, de encaminhamento?. Para ele, não há falta de diálogo.

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