Altos e baixos do governo Lula (final)

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, o dólar estava valendo quatro reais, a inflação era ascendente, juros eram os mais altos do mundo, as dívidas interna e externa atingiam níveis insuportáveis e o crédito bancário internacional estava zerado, inclusive para linhas de crédito à exportação e havia temor generalizado em relação ao governo supostamente esquerdista de um líder provindo da classe operária e retirante do nordeste.

Hoje, a situação mudou radicalmente com o restabelecimento da confiança externa e dos financiamentos bancários, a inflação controlada e o presidente Lula respeitado e prestigiado pelas lideranças dos principais países do universo. Internamente, conseguiu agrupar sólida e ampla base de apoio parlamentar que garante a aprovação de suas iniciativas.

Mas nem tudo são flores. O desemprego aumentou (louvores ao lançamento do “Programa 1.º Emprego”), a economia está estagnada (a situação deve ser revertida no 2.º semestre) e os juros continuam elevados (aguarda-se progressiva redução da taxa Selic), consequências da herança recebida do governo anterior, que obrigou a adoção temporária de medidas de ortodoxia econômica.

Poucas falhas de gestão podem ser apontadas no semestre decorrido. Entendo que faltaram providências pontuais para dar um tombo na inflação, tais como rastrear e enquadrar através da Secretaria de Defesa Econômica (SDE) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) preços praticados por monopólios, oligopólios ou cartéis e de produtos alimentícios importados.

Após o fim da guerra do Iraque, com a baixa das cotações internacionais do petróleo e a valorização do real, poder-se-ia reduzir substancialmente os valores da gasolina, do gás de cozinha e do óleo diesel, com repercussão no custo de transporte de cargas e de passageiros, possibilitando até diminuir o preço da passagem de ônibus nas grandes cidades, o que resultaria no declínio de alguns importantes índices de inflação.

Por que a Petrobras tem que dar lucro recorde de R$ 5,5 bilhões no 1.º trimestre e outro tanto no 2.º semestre? Por sinal que seria interessante desvendar o fascínio da estatal em exportar óleo bruto e adquirir refinaria nos Estados Unidos, como programara o governo FHC. Agora, a Petrobras quer fazer parceria com a venezuelana PDVSA para “aluguel ou leasing com opção de compra de refinaria no exterior” (entrevista do Diretor da Área Internacional da Petrobras em jornais do dia 29.6.03). Por que não construir já refinaria no Brasil por razão estratégica de auto-suficiência de derivados de petróleo, privilegiando a exportação de excedentes com valor agregado?

Outra lacuna do governo foi deixar crescer as invasões de terra pelo MST, contrapondo-se arregimentação belicosa dos proprietários, assunto explosivo e causa principal da deposição do presidente João Goulart. Ninguém mais do que Lula quer e certamente vai fazer profunda reforma agrária no país, mas o atraso do programa, justificável pela falta de recursos orçamentários no 1.º semestre, deveria ser explicado – e para isso há muitos porta-vozes qualificados no governo – aos líderes do Movimento dos Sem Terra, a fim de que eles se contivessem em uma trégua inteligente.

Finalmente, o Presidente Lula precisa ser mais humilde e reconhecer que outros presidentes da República, notadamente, Getúlio Vargas e Juscelino Kubtschek já fizeram muito pelo Brasil. A italiana Carta Del Lavoro, de Mussolini, possuía 14 normas sobre Direito do Trabalho e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), decretada por Getúlio Vargas há 60 anos (1.º de maio de 1943), continha centenas de dispositivos, logo não foi copiada daquela, e é forçoso atestar seu inquestionável mérito de assegurar direitos aos trabalhadores, constituindo fator básico para a paz social e a industrialização do país. Não há dúvida, porém, que o decurso do tempo – com novas realidades nas relações capital e trabalho – justifica o propósito governamental de reformar e modernizar a legislação trabalhista.

Pequenos escorregões não desmerecem a ação do governo e o balanço dos seis meses é francamente positivo ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como reflete as pesquisas de opinião. Vale realçar como maior conquista o início da caminhada para o resgate da cidadania, da auto-estima, do patriotismo, do nacionalismo, da probidade administrativa e da esperança do povo de viver melhores dias.

Léo de Almeida Neves

ex-deputado federal (PMDB – PR) e ex-diretor do Banco do Brasil. Autor dos livros “Destino do Brasil: Potência Mundial, Editora Graal, RJ, 1995, e “Vivência de Fatos Históricos”, Editora Paz e Terra, SP, 2002.

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