O massacre na cadeia de Altamira, que deixou 57 mortos nesta segunda-feira, 29, repete a estratégia usada por facções para, com brutalidade, tentar dominar parte de uma importante rota de tráfico de drogas na região amazônica. Os assassinatos cometidos pelos integrantes do Comando Classe A (CCA) contra filiados do Comando Vermelho (CV) é mais um capítulo de uma briga nacional que se expressa com maior frequência na Região Norte.

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A rota, que começa na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia e segue pelo Rio Solimões até Manaus, transformou-se em uma das maiores portas de entrada de cocaína do País, segundo especialistas e investigadores. É o controle desse mercado lucrativo que move a maior parte dos conflitos entre as organizações criminosas que atuam na região.

Relembre os massacres nos presídios do Norte e no Nordeste

Uma briga entre a Família do Norte (FDN), o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) já deixou, desde outubro de 2016, 188 pessoas mortas dentro de presídios de Rondônia, Roraima e Amazonas – sem contar os 57 óbitos desta segunda, em Altamira.

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No dia 16 de setembro de 2016, dez detentos foram mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, durante uma briga entre integrantes do PCC e do CV. Poucas horas depois, outra briga entre membros dessas duas facções criminosas provocou a morte de oito homens na Penitenciária Estadual Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho.

Em 1º de janeiro de 2017, um ataque da FDN contra o PCC deixou 56 mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. Cinco dias depois, como resposta, a organização criminosa paulista foi responsável pela morte de 33 pessoas em Monte Cristo.

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Também em janeiro de 2017, um motim do PCC no dia 14 matou 26 presos ligados à facção Sindicato RN, que era aliada ao CV e à FDN, na Peniteciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, na Grande Natal.

Já entre os dias 26 e 27 de maio de 2019, uma briga interna na FDN causou o massacre de 55 detentos em quatro cadeias: Compaj, Centro de Detenção Provisória Masculino 1, Unidade Prisional do Puraquequara e Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat).

No Pará, não há hegemonia

“O Pará é um espaço que também vem sendo disputado pelas facções em função da sua posição geográfica e da importância que tem para o narcotráfico”, explica o pesquisador Aiala Colares, da Universidade Estadual do Pará (Uepa).

Segundo ele, o CCA ganhou força nos últimos anos, ao fazer alianças e entrar na disputa pela cocaína da região. “Se a Amazônia é a porta de entrada dessa droga, é importante para as facções estarem perto dessa porta”, acrescenta Colares.

As cidades, onde antes só existiam pequenas gangues, viram os criminosos se organizarem agora em facções. E esses grupos formaram alianças para ganhar ainda mais força, processo que ocorreu ao longo da última década.

No Pará, ao contrário do que ocorre em São Paulo com o PCC, não há hegemonia. “O Pará tem muitas facções criminosas em disputas que às vezes chegam a ocorrer dentro de bairros, de tão pequenas que são. Há disputa o tempo todo, levando a uma taxa de homicídio muito alta, como a que vemos nos últimos cinco anos”, diz o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) Jean-François Deluchey.

Ele acredita que, apesar de o CV ter dados sinais de que se consolidava no Estado, uma hegemonia ainda seja imprevisível. “A disputa é total e sempre há reações. Agora, o CCA atuou, mas já há expectativa de que o CV vai realizar uma retaliação enorme em todos os outros presídios.”

O massacre acontece em meio ao aumento da sensação de insegurança em todo o Estado, com a força dos traficantes sendo testada pela atuação de milícias, principalmente na região metropolitana de Belém. Chacinas e as numerosas mortes causadas por policiais em supostos confrontos contribuem para um clima de violência crescente.

“Se há controle de toda essa rota, do Solimões à exportação, a facção deixa as outras mais dependentes dela. Caso contrário, é necessário buscar outros caminhos, que necessariamente serão mais longos e, principalmente, mais caros”, explica Colares. Deluchey vê o massacre de Altamira como “a consequência do fracasso da política criminal brasileira”. (Colaborou Felipe Cordeiro)