Brasil e China – potências mundiais

A viagem do Presidente Lula, em maio, à República Popular da China, será talvez o ponto culminante da sua bem-sucedida política exterior, que busca novos caminhos para defender melhor os interesses nacionais.

Em 2003, tivemos superávit de US$ 2,4 bilhões e comércio bilateral de US$ 6,7 bilhões, mas a China poderá representar ainda muito mais no aprofundamento de vínculos comerciais e econômicos.

No âmbito do agronegócio, o Brasil exerce liderança mundial na exportação dos produtos do complexo soja, café, açúcar, carne bovina e de frangos, e na produção de grãos em geral.

A área agricultável da China é limitada por cadeias de montanhas e amplos desertos e a disponibilidade de água é pequena para as necessidades de irrigação. Só a complementariedade das duas economias no plano agrícola já justifica aliança estratégica de longo prazo de um país com 1,3 bilhão de habitantes e o Brasil, que ainda possuí amplas extensões de terras aptas para a agropecuária e inexploradas.

O setor mineral é outro onde as duas economias se completam. As gigantescas siderúrgicas chinesas já são as maiores compradoras do nosso minério de ferro, do qual somos os principais extratores e exportadores universais. A estatal de lá e a Cia. Vale do Rio Doce vão estabelecer planta siderúrgica de porte no Maranhão.

No campo tecnológico, destaca-se a plena vigência do Programa de Cooperação Espacial Sino-Brasileiro, que lançou em 2003 satélite de observação de riquezas terrestres, que venderá imagens para terceiros países. Inicia-se projeto de cooperação na esfera nuclear, voltado à transferência de conhecimentos para exploração de jazidas de urânio no Brasil.

Para atenuar problemas ambientais, a China está interessada na importação de álcool anidro. A Embraer já produz aviões na China em consórcio com estatal chinesa. Exportamos crescente número de automóveis. A Petrobras e a estatal chinesa de petróleo Sinopec poderão estabelecer importantes parcerias na perfuração lá do ouro negro, e aqui em investimentos em estaleiros para construção de navios e plataformas de petróleo e em fábrica de tubos para gasodutos. Ferrovias para escoar soja brasileira pelo Oceano Pacífico estão nas intenções dos chineses.

Observem-se dados assombrosos: de 1980 a 2000, o PIB da China cresceu média/anual de 10,3%. Há previsões de que o produto interno chinês ultrapassará o da França este ano, da Inglaterra em 2006, da Alemanha em 2007 e do Japão em 2016. Em 2003, a balança comercial da China com os EUA registrou espetacular superávit de US$ 55 bilhões e de US$ 18 bilhões com a União Européia.

Esses extraordinários superávites da balança comercial tornaram-se possíveis, sem demérito para a qualidade dos itens chineses, devido à estabilidade da moeda Yuan, com taxa de câmbio fixada desde 1993 em 8,277 por dólar (flutuação de mais ou menos 0,15%), e o governo comunista tem resistido às pressões de Washington para desvalorizar sua moeda. A China acumula estratosféricas reservas cambiais de US$ 400 bilhões, boa parte aplicada em títulos do tesouro norte-americano.

Fator fundamental para esses estupendos resultados foi a supremacia da China, desde vários anos, na atração de capitais estrangeiros, a maior parte direcionados para produção exportável, diferente do Brasil que privatizou as estatais e atraiu inversões para se ocupar basicamente do mercado interno. Em 1985, Brasil e China equiparavam-se em participação no comércio exterior.

Ao completar-se 30 anos do restabelecimento das relações diplomáticas Brasil-China, cabe relembrar a ação pioneira do empresário paulista Horácio Sabino Coimbra, fundador da Cia. Cacique de Café Solúvel, que em outubro de 1971 cumpriu missão oficiosa de aproximação com a China de Mao Tse Tung, em pleno regime discricionário do presidente Garrastazu Médice, ocasião em que nem os EUA mantinham qualquer vínculo com a potência comunista, considerada a inimiga máxima do Ocidente.

Coimbra viajou para a China (com o conhecimento do governo brasileiro) em companhia do cônsul brasileiro em Hong Kong, diplomata Geraldo Holanda Cavalcanti, indicado reservadamente pelo Itamaraty, que seguiu como assessor pessoal.

Eles mantiveram contatos em Cantão e Pequim com destacadas autoridades governamentais e dirigentes de empresas estatais, dando o passo inicial para o retorno do intercâmbio sino-brasileiro.

Os detalhes dos encontros e discussões foram consubstanciados em Relatório do empresário e do cônsul ao governo federal. Horácio fez várias palestras a empresários e reuniões com militares, expondo as vantagens que o Brasil teria em reatar com a China.

A primeira delegação oficial chinesa, que veio ao Brasil tratar do reatamento, pediu ao Itamaraty que incluísse na agenda de compromissos uma visita à residência de Horácio Sabino Coimbra, para manifestar agradecimento, gesto peculiar à milenar cultura chinesa, à sua viagem de amizade e consideração com a China.

Sem dúvida, Brasil e China e, mais, Rússia e Índia serão as novas potências mundiais do século 21.

Léo de Almeida Neves

ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil. Autor dos livros “Destino do Brasil: Potência Mundial, Editora Graal, RJ, 1995, e “Vivência de Fatos Históricos”, Editora Paz e Terra, SP, 2002.

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