Brasil dos miseráveis

“Tabela sem correção leva o salário para o Leão.” Com essa frase-protesto, o presidente Lula foi recebido em seu berço político, São Bernardo do Campo, em São Paulo, na segunda-feira que passou. “Xô, Leão, salário não é renda”, gritavam outros cartazes empunhados pelos metalúrgicos, muitos deles colegas do presidente, já arrependidos de ter “colocado ele lá”. O pessoal está magoado, resumiu um velho metalúrgico. “Basta de promessas, queremos realizações; chega de sermos enganados”, diziam outros.

Para variar, Lula fez outras promessas. Admitiu ali, no improviso, corrigir a tabela do Imposto de Renda que, segundo alguns cálculos, está com 55% de defasagem. Mas deve ter percebido que a maioria já encaminhou as declarações à Receita Federal e se houver a correção, o trabalho será dobrado. Como diria Nelson Rodrigues, um “arranco vitorioso de um cachorro atropelado”. Talvez fique para o ano que vem. Mas junto com a promessa Lula disse uma verdade: são privilegiados aqueles que podem pagar Imposto de Renda, pois ganham um pouco mais. Não é nivelar por baixo, mas no Brasil dos miseráveis, pagam imposto pouco mais de oito milhões de brasileiros.

No mesmo encontro, enquanto alguns pediam redução do imposto a pagar – e ainda que Lula não ouviu a queixa dos empresários brasileiros! – outros exigiam aumento do salário mínimo. “Veja que engraçado, Freijó (José Lopes Freijó, o presidente atual do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista), olhe a arapuca em que você me colocou: de um lado tem a turma de trás, de bonezinho azul, pedindo justiça para reduzir a alíquota do IR; de outro tem a turma de branco pedindo aumento do salário mínimo. Ou seja, reduzo o que o Estado ganha e aumento a despesa.” O presidente já está se vendo emparedado.

Não era nada. Pedido maior apresentavam por escrito em Brasília os governadores de todos os estados. Na Carta de Brasília, exigem mudanças nos critérios técnicos do cálculo de suas dívidas com a União. “A política centralizadora do governo enfraquece a Federação”, resumia o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, moderado diante de outros, como o do Paraná, que já ameaçavam provocar a Justiça contra as inadimplências da União – nos últimos tempos, campeoníssima em recordes de arrecadação.

Mais que pedir dinheiro, os governadores alinhavaram na carta o que o Brasil inteiro vem cobrando sem sucesso do governo federal: providências para acelerar o crescimento da economia, um espetáculo prometido cujos atores não saíram ainda dos camarins. Malabarista, Lula mandou através de seus emissários a mensagem de que quer um outro encontro ainda na primeira quinzena de maio. De encontro em encontro, vai empurrando o problema com a barriga.

A “reversão da concentração tributária nas mãos da União”, como escreveram os governadores, fazendo eco ao que os prefeitos já vinham dizendo, é um assunto que tem a ver com as tabelas do Imposto de Renda, com o salário mínimo e com outros problemas de primeira grandeza enfrentados pelo Brasil e pelos brasileiros, entre eles esse do emperramento das engrenagens do desenvolvimento com a sempre maior fila do desemprego. De nada adianta uma União de cofres cheios para um Brasil de cidadãos mitigantes. A dívida que se pretende pagar com as economias forçadas (“superávits pornográficos”, maiores que os exigidos pelo próprio Fundo Monetário Internacional, dizem outros) é maior que o fôlego dos contribuintes já esmagados por uma carga sem precedentes. Além de esmagados, enganados, pois tanto dinheiro nos cofres não se reverte em serviços nem em investimentos. Dilui-se em salários e outras despesas de custeio.

Diante desse quadro, Lula parece um otimista vesgo ou míope. Diz que, qual paciente moribundo, o País que estava na UTI já passeia pelos corredores do hospital. Engana-se. Sai da UTI o governo, entram os combalidos brasileiros.

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