Brasil deve exportar produtos e serviços e não tributos

O chamado crédito-prêmio do IPI foi instituído como mecanismo de incentivo às exportações de produtos nacionais. Longe de ser, verdadeiramente, um prêmio, é uma garantia da não-cumulatividade dos produtos destinados à exportação através de tributos incidentes direta ou indiretamente. Assim, o crédito-prêmio garante isonomia entre os produtos nacionais e estrangeiros no plano do comércio internacional. É responsável, em certa medida, pelo incremento da competitividade dos produtos brasileiros nas transações internacionais e, assim, indiretamente, auxilia o desempenho das exportações.

Este crédito de natureza fiscal, vigente em nosso país desde o final dos anos 60, vem passando por intenso debate judicial. Discute-se, pois, o direito das empresas contribuintes aproveitarem-se dele para o fim de restituição, ressarcimento, compensação entre tributos e contribuições federais de diferentes espécies e compensação com débitos de terceiros.

Nesta disputa, o Superior Tribunal de Justiça STJ, vem acenando com a possibilidade de declarar o fim do crédito-prêmio do IPI. Além de sustentar a revogação do benefício fiscal desde 1983, por decorrência de questões técnico-jurídicas, também acena, o STJ, para a eventual aceitação de teses na linha de que o crédito-prêmio é um incentivo fiscal setorial e, neste caso, estaria vedado pela Constituição de 1988. Ressalte-se que o contexto é inédito pois o próprio STJ, durante longo período de tempo, vinha afirmando a legitimidade do crédito-prêmio do IPI. Neste quadro, a Fazenda Nacional vem anunciando que a União Federal buscará recuperar os valores do crédito-prêmio do IPI apropriados ?indevidamente?, além de tomar outras providências jurídicas (aplicação de multas, por exemplo).

Saliente-se, contudo, que o crédito-prêmio do IPI não pode ser considerado, propriamente, um incentivo de natureza setorial. Se, por um lado, trata-se de crédito que se afirma em favor dos exportadores (por óbvio este benefício fiscal somente pode recair sobre produtos industrializados destinados ao exterior, favorecendo tanto o produtor-vendedor, o fabricante exportador e as empresas exportadoras as tradings), tal peculiaridade não o setorializa. Afinal, se a setorialidade pudesse ser definida de forma abstraída do produto ou serviço prestado, todos os incentivos seriam setoriais. Por isso que a setorialidade deve ser entendida tomando-se como base uma classe de empresas cujo denominador comum seja o produto ou serviço prestado ou a localidade onde estabelecem as suas bases. E, assim, o crédito-prêmio do IPI não pode ser compreendido como incentivo setorial pois abarca toda e qualquer empresa do território nacional, independentemente da natureza do produto ou serviço ou da localidade, desde que a destinação do produto industrializado seja a exportação.

Por conseqüência, o instrumental fiscal do crédito-prêmio do IPI encontra-se em absoluta conformidade com as regras do GATT, contidas no ASMC Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, pois não configura incentivo condenável na medida em que não se amolda ao conceito de especificidade ou de ?subsídio relevante com prova constituída em processo regular?. Tanto assim que o próprio Acordo estabelece que o simples fato de um subsídio ser concedido a empresas exportadoras não será, por esse motivo, considerado subsídio às exportações.

É de se ter em mente, ainda, que os ideais de justiça econômica e respeito ao Estado Democrático de Direito impõem, certamente, o respeito às lícitas atividades encampadas pela iniciativa privada, mormente nos casos em que o Poder Público, longe de vedar a atuação privada, incentivou-as largamente com o fito de incrementar o mercado de exportações, o que, sem sombra de dúvidas, na atual conjuntura, coloca os exportadores como verdadeiros parceiros na busca do desenvolvimento econômico e social.

Se é certo, por outro lado, que no quadro da atividade jurisdicional, o Poder Judiciário pode rever seus posicionamentos em relação à forma como decide determinadas questões, eis que o Direito e a sociedade são dinâmicos, não se pode olvidar, igualmente, que ele é Poder inserido no quadro do Estado de Direito, e por isso comprometido com direitos fundamentais e valores protegidos pela Constituição.

O Poder Judiciário, por isso mesmo, ao dar respostas a questões concretas, também indica à sociedade o caminho da estabilidade e da segurança nas relações interpessoais. Na situação do crédito-prêmio do IPI, razões de segurança jurídica, impositivas de calculabilidade, mensurabilidade, estabilidade, previsibilidade e confiabilidade na atuação do Poder Público, não tolerantes das ações tomadas de surpresa contra os cidadãos, embora não possam amarrar ou engessar a evolução do mundo, de modo a impedir as mudanças legislativas, administrativas, jurisprudenciais, como sucede, não podem ser, por isso, ignoradas.

No caso, seguindo linha do que já sucede no âmbito da experiência do Supremo Tribunal Federal, abstraindo-se da jurisprudência consolidada sobre a recepção do crédito-prêmio do IPI, abstraindo-se o fato dele não representar incentivo setorial e, assim, mostrar-se em conformidade com os parâmetros do GATT, eventual mudança de entendimento do STJ haverá de se preocupar com a delimitação dos efeitos da decisão para o fim de salvaguardar a própria estabilidade das relações jurídicas e econômicas,

Considere-se que os créditos em questão vêm sendo aproveitados em contexto de confiança, normalmente com o aval da própria Receita Federal ou com base em convicção de obrigatoriedade gerada pela jurisprudência consolidada, e assim passaram a integrar o patrimônio das empresas, tanto que utilizados nas programações econômica, contábil e fiscal.

Nada obstante a perspectiva de eventual mudança do entendimento jurisprudencial, o debate não está encerrado. Espera-se, em verdade, que o STJ mantenha o atual reconhecimento predominante no sentido de que o crédito-prêmio do IPI continua em vigor. Isto porque, na perspectiva técnico-jurídica em discussão, não há que se admitir, mediante adequada interpretação constitucional, que a declaração parcial de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 1.894/81 e do Decreto-Lei n.º 1.724/79, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, produziu eficácia repristinatória em relação ao Decreto-Lei n.º 1.658/79 (que previa redução percentual do benefício até 1983) e nem há que se cogitar de inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 1.722/79, de modo que a permanência do benefício em questão no ordenamento jurídico não fica (nem ficou) condicionada a nenhuma ?confirmação? ou ?revalidação? posteriores.

Ora, a declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, do Decreto-Lei n.º 1.894/81 e do Decreto-Lei n.º 1.724/79 foi apenas parcial, para o fim de extirpar, das citadas normativas, as expressões ?reduzir temporária ou definitivamente?, ?ou extinguir? e ?suspender?. Daí porque o crédito-prêmio do IPI continua em vigor. E deve continuar. Afinal, o país, como os mais competitivos do mundo, deve exportar produtos e serviços, mas não tributos.

Clèmerson Merlin Clève é professor titular da UniBrasil e da Universidade Federal do Paraná. Professor de Direito Constitucional nos Cursos de Mestrado e Doutorado. Advogado militante e titular do Escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados.

Paulo Ricardo Schier é Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Direito Constitucional da UniBrasil. Advogado militante e Membro do Escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados.

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