Bons tempos, aqueles

Ivan Puggina

Houve um tempo, que já vai longe, em que os partidos valorizavam a qualificação de seus quadros e parcela significativa dos eleitores levava isso em conta ao eleger representantes. Supunham, partidos e eleitores, que a formação intelectual, a visão de história e a dedicação à leitura e ao estudo de boas obras produzissem não apenas competência para o debate inerente à atividade política, mas, principalmente, capacidade de discernir entre certo e errado e entre justo e injusto que compõem o universo das decisões significativas à vida social. Em outras e mais simples palavras: na política, tanto quanto em qualquer outra atividade, entendiam eles, quem sabe mais erra menos.

Gradativamente isso foi deixando de ter significado e reflexo na vida pública. Acompanhando o declínio da formação cultural da sociedade embrutecida pela comunicação de massa, graças à qual o pensar foi substituído pelo assistir, o padrão intelectual da política brasileira foi declinando para o nível de mesa de bar. Assisto, logo existo, aliás, é o título de interessante entrevista do psicólogo Carlos Perktold a Maurício Dias na edição de junho passado da revista Carta Capital. Parcela significativa de nossos homens públicos não se forma lendo bons livros. Apenas se informa em jornais e assistindo TV. Atua com um olho na imprensa, o outro na urna e absoluta cegueira em relação aos problemas nacionais e suas soluções.

Há poucos dias reli A Revolução Julgada, de Raul Pilla, sob aquele deleite que nos concede o contato com os verdadeiramente sábios. O livro é composto por um conjunto de discursos sobre a crise institucional brasileira e resultou inevitável a comparação com a cena parlamentar rio-grandense neste início de milênio. Quantos Raul Pilla produzimos nos últimos 50 anos?

Nas primeiras páginas de A Revolução Julgada, o bravo guerreiro do parlamentarismo, referindo-se aos adversários desse sistema, situa em primeiro plano os que recusariam a democracia se pudessem, e, assim sendo, aferram-se ao menos democrático dos sistemas. A seguir, alinha os que a apreciam, mas a temem, e que, por isso, aderem à sua forma menos perfeita, menos democrática portanto. E, por fim, aponta os democratas prudentes, que alegam não estarmos preparados para o parlamentarismo, como se sucessivas décadas de instabilidades e fracassos nos tivessem preparado para o presidencialismo e seus insucessos.

Haverá quem diga que são questões menores, destituídas de importância em tempos tão mais graves e confusos, como se a confusão que observam não tivesse origem na falta de discernimento dos agentes políticos. Às exceções que conheço, o meu louvor.

Ivan Puggina é arquiteto, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.

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