Bode expiatório

A presença do Exército nas ruas do Rio de Janeiro, a pedido da governadora Rosinha Garotinho, certamente ajudou na manutenção da ordem pública. Ou, pelo menos, evitou maior desordem, já que estatísticas revelam que o Carnaval deste ano foi mais violento que o do ano passado. Exército não é polícia e sua presença, como reforço à polícia, serve mais como componente psicológico, inspirando respeito, que para o combate efetivo à criminalidade. No mais, o número de militares do Exército postos à disposição do Rio foi ínfimo em relação ao de policiais do próprio estado, colocados em alerta nas ruas.

Tudo culpa de Fernandinho Beira-Mar, o supertraficante que estava preso no Rio e foi transferido temporariamente para São Paulo. Rosinha Garotinho não o quer de volta. Que o governo federal cuide dele, já que seus crimes ultrapassam fronteiras e, assim, refogem à competência das autoridades fluminenses. São Paulo também não o quer e o aceita, apenas por trinta dias, em solidariedade aos cariocas. Depois, irá para onde o governo federal decidir ou a lei determinar.

As autoridades atribuem a Beira-Mar praticamente toda a criminalidade que aflige o Rio de Janeiro. Principalmente a dos últimos dias, quando se multiplicaram assassinatos, ônibus foram depredados e até queimados com passageiros no seu interior e, pouco antes, até a Secretaria de Segurança e o Palácio do Governo foram alvo de atentados. Não há dúvida de que se trata de um grande bandido. Um perigoso traficante, ligado às Farc, grupo guerrilheiro colombiano que está por trás do tráfico de entorpecentes. Está ainda ligado a grupos criminosos organizados que se multiplicam no Brasil, em especial no eixo Rio-São Paulo, e até se associam, criando um poder paralelo ao das autoridades constituídas. Ou, talvez, poder quase único, pois o das autoridades constituídas tem se mostrado impotente, quando não conivente através de alguns corruptos que existem em seu meio.

A força-tarefa criada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, para o combate ao crime organizado, pouco fez. Ao que se saiba, apenas filmou um barco singrando as águas da Baía de Guanabara, para mostrar na televisão como poderia detectar traficantes navegando. Pouco antes de desfilar numa escola de samba do Rio, um atleta brasileiro disse uma grande verdade: estão transformando Fernandinho Beira-Mar em bode expiatório. Culpam-no de tudo, como se a um traficante não interessasse um Carnaval sem muita polícia, sem Exército e sem medo. A multidão que a festa atrai é um mercado ideal para o tráfico de drogas. A violência só pode conturbar esse mercado.

Não há como negar a periculosidade de Beira-Mar e do crime organizado. Mas atribuir-lhe toda responsabilidade pela violência é insensato, pois a criminalidade vem crescendo no Brasil muito antes de ele estar foragido ou preso.

A violência tem múltiplas causas, dentre elas a atuação de Beira-Mar, de outros chefes criminosos, a miséria, a ausência das autoridades constituídas, a falta de assistência aos excluídos da sociedade, os aglomerados urbanos incontroláveis, o desemprego e a política esperta dos criminosos de proteger esses desprotegidos, para que colaborem com seus intentos ilegais. Se o governo não faz, eles fazem, exigindo como paga a colaboração com o crime.

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