Biotecnologia e soberania

Os avanços científicos e tecnológicos da pós-modernidade têm suscitado um sem número de questionamentos éticos, sociais, econômicos, psicológicos, dentre outros. Os cientistas não têm sido estimulados a refletir sobre os impactos causados por suas descobertas; ignorando, ou parecendo ignorar, que está ocorrendo um crescente esmagamento do ser humano.

As pesquisas que se referem à vida e à manipulação do patrimônio genético das gerações presentes e futuras afetam a dignidade da pessoa, sendo justamente as que mais se desenvolvem atualmente. O que se observa é que a cada conquista científica gradativamente o ser humano se afasta de si mesmo, de sua essência, tornando-se um mero objeto ou caricatura de si próprio.

Na pós-modernidade o homem passou a depender de tal modo das respostas científicas, que foi perdendo, paulatinamente, o sentido de seu próprio valor e missão no mundo. Hoje, infelizmente, medem-se o desenvolvimento de um povo e o valor de sua cultura pelo progresso tecnológico incorporado à sua economia; desprezando-se o acervo de suas tradições, crenças, realizações no cenário internacional, etc, que representam a verdadeira riqueza de uma nação e que a distingue das demais.

Considerando-se que os investimentos públicos na área da pesquisa e da tecnologia são escassos nos países em desenvolvimento, a inteligência nacional dos povos do terceiro mundo fica, a cada dia, mais comprometida pela falta de estímulo à pesquisa. O que se constata é que à dependência econômica veio somar-se a dependência tecnológica; uma vez que para ter acesso às novas conquistas na área da Informática, da Biotecnologia e do conhecimento de ponta em geral, é preciso desembolsar vultosas somas, para utilização dos produtos, mediante o pagamento de royaties, comprometendo de forma evidente a soberania nacional. É o que se vê acontecer na área da saúde, tanto nos procedimentos da terapia gênica, como, principalmente, na utilização da nova farmacologia; haja vista a questão internacional dos genéricos utilizados no tratamento da Sida (Aids).

No dizer de José Domingues de GODOI FILHO: “Com o passar dos anos, ficou evidente que não foi compreendido e/ou não foi aceito pelos últimos governos, que se sucederam, o papel estratégico do processo científico-tecnológico na estruturação de um poder nacional, com suas ramificações militares. Daí, uma das causas para que o parque industrial do Brasil continue preso a pacotes tecnológicos montados e controlados por empresas estrangeiras. Assim, a tecnologia externa se transformou num dos principais instrumentos para moldar a produção nacional e conformar um sofisticado meio de dominação neocolonialista” (Informandes, nº 112, outubro/novembro/2002, p. 9).

Em nenhuma outra área se verifica com tanta clareza esta subserviência como na biotecnológica, basta lembrar que as novas técnicas de reprodução assistida, de reconstrução do corpo, como transplantes e implantes, cirurgias estéticas, intervenções fetais, etc, que amenizam o sofrimento humano e aumentam as expectativas de vida, ficam limitadas às camadas econômicas e sociais que podem custeá-las. Tratamentos médicos avançados, fármacos recém-descobertos não se colocam à disposição de muitos…

Soma-se aos elevados custos dos procedimentos o sigilo que cerca os avanços científicos, sobretudo na área da Biotecnologia, já que as empresas limitam as informações ao mínimo, temerosas de eventuais impedimentos burocráticos ou legais. Movidos pelo lucro tudo fazem para silenciar os que se aventuram a questionar a ética das técnicas utilizadas.

Os debates acadêmicos quando procuram divulgar as novas técnicas o fazem de forma tão complexa e em eventos dedicados a círculos restritos, deixando de cumprir um dos seus mais importantes papéis: levar ao conhecimento do cidadão comum o saber acumulado a portas fechadas.

O poder político não incrementa, tanto quanto deveria, a divulgação sobre os impactos ambientais, sociais, econômicos e éticos causados pelas novas técnicas, por temer a reação da sociedade. O Estado tem deixado de cumprir um dos seus mais importantes misteres: o de manter o cidadão informado do que se passa nos bastidores das empresas de biotecnologia e no comércio internacional da saúde e da vida ferindo o estabelecido na Lei Maior (art. 5º, XIV: é assegurado a todos o acesso à informação (…).

Maria da Glória Colucci

é mestre em Direito Público, professora da Faculdade de Direito da UFPR e Faculdade de Direito de Curitiba.

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