Biodireito: A Engenharia Genética não adia a morte

Entre tantos mitos e verdades, os mais recentes avanços biotecnocientíficos, inegavelmente, passaram a ocupar grandes espaços na imprensa leiga (mídia) e nas conceituadas publicações científicas internacionais, pois a Biociência, ou seja, a Engenharia Genética (como é denominada no Texto Magno da CF/88), não está apta a responder aos expressivos anseios de algumas castas privilegiadas, na volúpia da imortalidade, que tudo quer, mesmo se o custo ultrapassar os princípios éticos e morais, sem responsabilidade. Sabe-se que a Ciência, hoje, tudo pode sem limites nem obrigações, ainda que se imponha o freio da ética para responder aos postulados direcionados à dignidade da pessoa humana e da cidadania, e que se mantém secularmente, desde que foram inspirados por Kant.

Dentre tantas façanhas e conquistas – aliás, assustadoras para muitos, dotados suficiententemente, ou hiposuficientes e excluídos mundo afora – cientistas de diferentes quadrantes e ideologias, num raro ecumenismo, tentam vencer a morte ou, no mínimo, o implacável envelhecimento humano que a escalada do tempo se encarrega de determinar com marcas profundas. Com certeza, as drogas produzidas em fantásticos laboratórios ou as técnicas de rejuvenescimento aparente, que se aperfeiçoam sempre, não têm o condão de evitar a morte ou o envelhecimento e a senilidade humana.

Por isso, penso eu que, mesmo com a iminência da clonagem humana para fins terapêuticos ou reprodutivos, na persistente busca de soluções expeditas e mais eficazes para salvar vidas, a pesquisa científica e as técnicas bioengenheiradas devem prosseguir com celeridade, disponibilizando-se os grandes investimentos financeiros necessários, numa olímpica corrida pela manipulação e industrialização da vida, segundo o exemplo ditado pelo Reino Unido, onde o primeiro ministro Tony Blair não esconde seu ufanismo com toda fleuma inglesa.

É através das engenhosas combinações dos genes, depois da descoberta do DNA pelo prêmio Nobel James Watson, algumas décadas atrás, que a Engenharia Genética (ou Biociência) passou a se desenvolver com os animais e vegetais, nas inúmeras experiências dos denominados “transgênicos”, que não têm sido bem aceitos no mundo atual, com as estatísticas registrando crescentes índices de rejeição (mais de 80% da população da Europa prefere não consumi-los e, no Brasil, tal índice cai para 74%) . Na prática, o principal motivo de produzir os “transgênicos” é alcançar grandes resultados na produtividade dos alimentos (vegetais e animais) para abastecer um mundo com mais de 6 bilhões de habitantes, bem como para a pesquisa de ponta – principalmente com animais – para as mais diferentes finalidades biomédicas e farmacêuticas. Porém, lembre-se que : “Quando se insere um gene no DNA, não dá para prever onde ele se encaixará. Assim surgem os efeitos não esperados da transgenia.”, afirma a pesquisadora em veterinária Flavia Londres, que é assessora técnica da ONG AS-PTA e membro da coordenação da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos.

A transgenia, no entanto, tem se revelado bastante promissora e, afora a problemática dos riscos dos alimentos, é fator relevante para toda gama de manipulações vitais com a criação de animais – sapos e camundongos, principalmente – para a moderna modelagem e as experiências e descartes destinados à Medicina, Biologia, Genética e Bioquímica, detectando doenças novas e antigas até agora consideradas incuráveis, produzindo-se os fármacos correspondentes, como no caso do combate a Aids, ao câncer e outros males e síndromes da nova era.

Registre-se aqui também, que os constantes progressos das técnicas bioengenheiradas, depois do anúncio oficial da clonagem radical do primeiro mamífero, há cinco anos atrás, pelo grupo liderado pelo cientista escocês Iam Wilmut, conhecido como o “pai da ovelha Dolly” (nas imagens abaixo), têm ocupado valioso espaço na literatura especializada internacional, transferindo-se os conhecimentos científicos para proteção dos seres vivos em geral, ainda que sob a permanente vigilância dos ambientalistas mais radicais, que não conseguem admitir a manipulação e o descarte de genes, células e organismos vivos, mesmo que embrionários, e especialmente de humanos. Se depender da vontade deles, que são os arautos do meio ambiente e da natureza, cabe enfatizar aqui: a Biociência jamais poderá adiar a morte, como desejam os cientistas que trabalham na transgenia e na clonagem artificial (desde que a natural é realizada pela própria mãe Natureza) para fins terapêuticos e de reprodução assistida. Aliás, os ditos defensores ambientais e da mãe natureza , voltando-se contra a Ciência (ou a fantaciência, conforme apregoam alguns), frisam que os nossos semideuses do terceiro Milênio não atingirão o clímax desejado, na tal volúpia da imortalidade. A clonagem de animais a partir de células adultas não reprodutivas, segundo dizem, leva ao envelhecimento precoce (v.g. a artrite da Dolly), sabendo-se que, até hoje, não há referência científica comprovada sobre a clonagem radical ou terapêutica a partir de células-tronco embrionárias retiradas de cordão umbilical e da placenta ou, em futuro muito próximo, dos bancos de embriões excedentários crioconservados. Nesse fogo cruzado, portanto, prefiro crer no progresso da Ciência sem afrontar a Natureza e para que nós possamos atingir o topo de uma difícil trajetória, em busca do reencantamento da Humanidade, num fortíssimo entrelaçamento transdisciplinar.

Assim é que, no meu livro “Clonagem humana e reprodução assistida”, da JM Editora, cujo lançamento oficial será no mês em curso, disserto acerca do tema enfocado, sob o prisma jurídico e social, concitando as instâncias da Bioética brasileira a debater o complexo ordenamento, que se limita à norma constitucional e à Lei de Biossegurança, exigindo-se uma participação efetiva do Congresso Nacional para que se aprovem os instrumentos legais indispensáveis ao futuro da cidadania. Louve-se aqui o excelente trabalho desenvolvido pelo professor Volnei Garrafa, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e do VI Congresso Mundial de Bioética, encerrado a 3 de novembro passado, em Brasilia, e que não tem poupado esforços para que o País, muito em breve, tenha as leis para dispor sobre a clonagem, o aborto, a eutanásia e outros temas polêmicos.

Discute-se, no caso, a proposta de criação de uma Comissão Nacional de Bioética, vinculada diretamente à presidência da República, como ocorre em países do chamado Primeiro Mundo. Antes de chegar aos parlamentares, todos os projetos vinculados à Bioética e ao novel Biodireito, seriam amplamente debatidos pela Comissão, que teria composição pluralista e multidisciplinar. Seu trabalho poderá ser extremamente importante no trato sobre as pesquisas genômicas e com células-tronco de embriões humanos para salvar vidas, enfrentar o envelhecimento e a longevidade saudável.

Acerca da Engenharia Genética, tenho como uma valiosa referência bibliográfica a publicação Galileu , Ano 12, N.º 136, Novembro/2002, Editora Globo, onde se insere reportagem de capa , de autoria da jornalista Fernanda Colavitti, sob o titulo “A mentira da vida longa – o mito da eterna juventude”, a qual enfrenta toda a problemática da Engenharia Genética em grande estilo, passando ao leitor informações criteriosas e indispensáveis , nesta era da informática, sob os amplos domínios do seqüenciamento genômico. O editor-chefe de Galileu , Maurício Tuffani, que prega: “A genética não é boa ou má; só precisa de cidadania”, colocando-se a ética ao lado da técnica, disserta que:

“Nunca houve tanta mistificação sobre os recursos da ciência como nos dias de hoje. Poderíamos dizer que isso acontece apesar de todas as facilidades que os meios de comunicação proporcionam. Mas é possível que isso aconteça justamente por causa ou com a ajuda dessas facilidades. No caso da busca da longevidade ou até da eterna juventude, as mistificações não são novidade. São temas que há séculos sobrevivem no imaginário de diversos povos. Com o desenvolvimento da medicina, novos tratamentos reduziram drasticamente os casos de doenças que dizimavam grandes parcelas das populações. Isso aumentou a expectativa de vida em quase todo o mundo, mas não conseguiu protelar a morte pelo envelhecimento, nem prolongar a juventude. Não é o que prometem muitos tratamentos e fabricantes que denominam seus produtos como milagrosos e que custam muito caro – no bolso e até na saúde – para aqueles que se deixam enganar por eles.”

Nesse trabalho voltado ao sagrado direito de informação, a jornalista consegue passar um excelente resultado e, assim motivado, considero de suma importância citá-lo, pois é fonte preciosa para a nacionalidade. Registro o texto seguinte:

“Cientistas alertam : técnicas rejuvenescedoras não funcionam e podem ser prejudiciais à saúde.

Não se iluda. A sonhada fórmula do prolongamento da vida e da juventude não está dentro de nenhuma cápsula de vitamina ou hormônio. Não pode ser alcançada nem mesmo por meio das modernas técnicas cirúrgicas disponíveis atualmente, ou da engenharia genética. A conclusão foi publicada em um longo documento sobre envelhecimento humano, produzido em maio por 51 especialistas estrangeiros no assunto.”

E mais:

“Apesar de todos os avanços na medicina , a ciência ainda não conseguiu descobrir nenhum método para eliminar de nossas vidas a temida velhice – definida como um processo fisiológico complexo, muito além daquelas rugas indesejáveis. Essas sim, bastante simples de serem eliminadas. Nenhuma das técnicas de rejuvenescimento propostas até o momento conseguiu reverter , desacelerar e muito menos eliminar de vez o processo fisiológico do envelhecimento.

O relatório explica que, mesmo se pudéssemos acabar com todas as doenças relacionadas à velhice, a probabilidade de que nossa expectativa de vida ao nascer – a média de anos que uma determinada população espera alcançar – ultrapasse os 90 anos ainda neste século é praticamente nula.

Segundo os pesquisadores, dificilmente conseguiremos repetir o aumento na expectativa de vida experimentado pela humanidade nos últimos 100 anos – contando com as novas tecnologias, poderemos acrescentar mais 15 anos, com muito otimismo.”

Na ausência de legislação mais rigorosa, os brasileiros vivem com essa realidade enganosa, torturando-se como reféns da própria vaidade e de profissionais omissos, negligentes e imprudentes. Logo, para terminar, sempre voltado para o Biodireito, lembrando aquela mesma antiga citação do meu estimadíssimo prefaciador professor Rrené Ariel Dotti, “Eppur si muove”(Galileu Galilei,num tribunal da Inquisição da Igreja), destaco o pensamento do jornalista Mauricio Tuffani, editor-chefe da revista Galileu, referentemente à necessidade apregoada pelo atual presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, professor Volvei Garrafa, no sentido de se pôr ética nas técnicas bioengenheiradas sem impedir o progresso da Ciência, com responsabilidade transgeracional e respeito à cidadania.

O texto soa vibrante :

“A genética não é boa ou má; só precisa de cidadania.

Mistificadas pela mídia como áreas de pesquisa com ferramentas infalíveis para mudar a “receita” dos seres vivos, a genética e a biotecnologia adquiriram uma imagem que oscila entre os extremos do Bem e do Mal. Enquanto para uns elas significam o fim próximo de todas as doenças e infelicidades humanas, para outros elas são um caminho sem volta para uma sociedade cada vez mais formada por indivíduos gerados sob medida, numa caricatura de obras de ficção científica como “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.

Em vários países, entidades de pesquisa na área de genética vêm dando os passos iniciais para que as pesquisas sejam realizadas à luz de diretrizes éticas. No entanto, na distribuição de recursos para pesquisas, a genética vem levando em muitos países, inclusive o Brasil, uma respeitável vantagem sobre outras áreas. A disputa por verbas tem induzido muitos geneticistas a ser pouquíssimo críticos com as expectativas de curas milagrosas por parte de dirigentes governamentais, que abrem seus cofres. Essa disputa também tem induzido os projetos nessa área a seguir em frente, esvaziando debates sobre destinação e priorização de recursos. Há, portanto, uma inegável motivação ética, mas ainda falta muita democracia quando o assunto é dinheiro.

As iniciativas éticas por parte da comunidade científica são necessárias, mas não são suficientes. É preciso que a sociedade participe, por meio do governo e de ONGs.”

Com muita pertinácia, ao longo dos últimos 30 anos, tenho feito do meu trabalho uma caminhada em busca do melhor Direito e da pacificação e bem-estar da cidadania. Espero que como caminhantes incansáveis, juntem-se todos que com sapiência e sensibilidade ainda crêem no porvir.

Waterloo Marchesini Junior

é advogado e jornalista, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Centro de Letras do Paraná.E.mail
wmjadvocacia@aol.com

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