Tiozinho curitibano dá uma volta ao mundo

Quem é apaixonado por motos sonha um dia pegar a estrada e encarar longos trajetos, no melhor estilo “Easy Rider” ou “Sem Destino”, filme épico de 1969 que narra as aventuras de dois motociclistas pelas rodovias dos Estados Unidos. Há quatro anos, o magistrado curitibano Robson Marques Cury, 63 anos, concretizou seu maior desafio e passou a integrar o seleto grupo de quem desbravou o planeta em uma Honda Falcon, de 400 cc. O seu projeto “Volta ao Mundo 2008/2012” chegou ao fim no último mês de março, na Índia, após visitar 29 países e percorrer mais 76 mil quilômetros. As viagens, feitas sempre nas férias, foram acompanhadas de belas paisagens e muita experiência acumulada no contato com outras culturas. Confira um breve resumo da epopeia vivida por Cury, que resultará em um livro no futuro.

De Curitiba ao Panamá

Após testar diversos tipos de modelos, Robson Cury escolheu a Honda Falcon para realizar o antigo desejo de conhecer o mundo em uma moto. O adesivo na carenagem com os dizeres “Adventure Spirit” (“Espírito de Aventura”) resumia bem o combustível que o impulsionava. O modelo, hoje fora de linha, tinha na robustez, resistência, versatilidade e economia suas principais características para encarar todo o tipo de terreno, com ou sem pavimentação. A Falcon que saiu de Curitiba era azul e prata e fabricada em 2006.

Em agosto de 2008, ele partiu da capital paranaense rumo ao Panamá, passando por Porto Velho (RO), Manaus (AM), Boa Vista (RR), no Brasil, além de Venezuela e Colômbia. Cruzou boa parte da Floresta Amazônica de barco, pelos rios Madeira e Amazonas. “As estradas entre Porto Velho e Manaus eram intransitáveis”, conta. No Sudeste da Venezuela, um cenário de cartão postal: o Salto Angel, o mais alto do mundo, com 979 metros de altura.

Ainda na região da Venezuela, Cury pode dar a volta na Isla Margarita, situada no Mar do Caribe e conhecida por sua diversidade de praias, das mais calmas, sem ondas, às mais agitadas. A travessia a barco continuou pelo Oceano Atlântico, de Cartagena de Índias, na Colômbia, ao Panamá, na América Central. A caminho do destino final, uma visita a San Blas, chamado de Arquipélago das Mulatas, um conjunto de 365 ilhas, das quais somente 56 habitadas, algumas não maiores que uma quadra de tênis. As praias são de areia branca, com águas transparentes.

O primeiro capítulo encerrou no Panamá após 30 dias de uma viagem solitária. A moto ficou em Colon, na costa panamenha do Oceano Atlântico, “aguardando” o retorno do seu dono no ano seguinte.

Do Panamá ao Alasca

Em abril de 2009, Cury retomou o projeto, desta vez acompanhado da esposa Maria Regina de Quadros Cury. Partindo do Panamá, o casal atravessou a América Central. Depois de 30 dias, já em Acapulco, no México, a mulher retornou para o Brasil e o motociclista seguiu viagem pelo deserto da Baixa Califórnia.

Na Califórnia, visitou o parque Giants of the Florest, famoso pelas sequoias gigantes. Cury também se deparou com a mais alta e maior formação rochosa de granito do mundo, o El Capitan, com 910 m, no Yosemite National Park.

Nesse trajeto, a Falcon sofre uma avaria -— a mais grave, por sinal. Quebrou a relação corrente, coroa e pinhão. Como a moto não era fabricada nos EUA, não havia peças originais disponíveis no mercado. As oficinas locais também evitavam improvisar componentes similares. “Fiquei cinco dias aguardando o envio das peças por sedex de Curitiba.”

Ele teve o primeiro contato com a neve em Oregon, na estação de esqui de Timberline Lodge, no Monte Hood. A viagem continuou pelas províncias da Colúmbia Britânica e Yukon, já na costa Oeste do Canadá. De lá, alcançou o Alasca, na região polar das Américas. “É um lugar isolado. Os postos de combustíveis são bem espaçados entre eles e os povoados mais distantes uns dos outros”. Chegou a dormir em barraca, pois não havia hotéis na região.

Na alfândega d,o Alasca, que é território dos EUA, o funcionário ficou surpreso quando Cury informou seu local de partida. “Só acreditou depois que viu o passaporte lotado de carimbos e de conferir a placa da moto no computador”. Ali foi alertado sobre a presença do urso Grizzly, que costuma transitar à beira da estrada com os filhotes. O animal é um símbolo do estado e conhecido por atacar humanos. Cruzou com alguns pelo caminho.

Andou cerca de 1.600 km passando por Fairbanks e Prudhoe Bay, um local inóspito povoado por trabalhadores de apoio transitório de um campo de petróleo. Neste ponto do planeta ocorre o fenômeno natural conhecido por “sol da meia-noite”, no qual a claridade perdura durante as 24 horas do dia. As estradas por lá são desérticas. Cury teve várias pequenas quedas devido ao cansaço -— chegou a pilotar 20 horas seguidas. O intenso frio, a neblina e a garoa incessante eram adversários constantes de viagem. O ponto final do segundo capítulo foi em Anchorage, ao Sul do território.

De Curitiba ao Ushuaia

A ideia do aventureiro era trazer a Falcon do Alasca para incluir mais uma etapa sul-americana no projeto. Mas, devido à demora no frete marítimo, decidiu adquirir outra Falcon e concluir o eixo Norte-Sul das Américas. Em fevereiro de 2010 percorreu 11 mil quilômetros em 17 dias de ida e volta entre Curitiba e Ushuaia, conhecida como Terra do Fogo, no extremo sul argentino. Visitou Torres Del Paine, no Chile, e seus lagos, rios, cascatas e glaciares, e o Glaciar Perito Moreno, na Argentina, com imensos paredões de gelo. Na Patagônia, enfrentou fortes ventos e nevasca no Paso Garibaldi, além de ter sido atacado por uma matilha de cães, sofrendo violenta queda no Glaciar do Cerro Martial, após atropelar um dos animais. Teve uma pequena trombose na perna.

De Seatle à Finlândia

A quarta etapa iniciou em maio de 2010 em Seatle, no Noroeste dos Estados Unidos, para onde a Falcon “original” foi transportada de navio de Anchorage, no Alasca. Percorreu os estados de Washington, Idaho, Montana, Minnesota, Wiscosin, Illinois e Michigan, e quase congelou ao tentar visitar o Parque Nacional de Yellowstone. “Minha maior frustração foi não conhecer os famosos gêiseres (fontes termais aquecidas que brotam do solo)”. A temperatura no local chegava a sete graus abaixo de zero.

Cury voltou ao Canadá, entrando por Niágara Falls e suas belíssimas quedas d’água. Parou em Toronto e de lá a moto foi transportada de avião para Lisboa, em Portugal, onde a mulher Maria Regina o encontrou. “Aproveitamos para ver o Papa Bento XVI, que visitava o país”, relembra.

Percorreram a Península Ibérica durante um mês. No roteiro, a cidade lusitana de Fátima, que ficou mundialmente conhecida pelas aparições marianas aos três pastorinhos. Andou no místico caminho de Santiago de Compostela, na Espanha; fez a travessia de ferryboat pelo Estreito de Gibraltar até chegar a Marrocos, na África; e em seguida retornou a Lisboa, de onde a esposa voltou para casa.

Cury seguiu sua aventura cruzando a Espanha, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Noruega. Neste último país conheceu o Northkapp ou Cabo Norte, no Oceano Ártico, destino de verão de turistas e dos motociclistas da Europa. A Falcon ficou estacionada em Helsinque, capital da Finlândia, até a volta do seu dono em 2011.

Da Finlândia a Vladivostok

A penúltima etapa começou em maio de 2011, na Finlândia, cruzando toda a Rússia do Oeste para o Leste. No roteiro, o contato com diversas repúblicas de etnias diferentes e o visual peculiar das igrejas ortodoxas. O extenso país engloba territórios na Europa e na Ásia. Cury conheceu São Petersburgo (antiga Leningrado), capital do Império Russo por mais de duzentos anos e a quarta maior cidade da Europa (em território). Passou por Moscou e Ekaterinburg, capital dos Montes Urais, onde foi construída uma catedral sobre o terreno no qual a família do Czar Nicolau II foi morta, em 1918, na Revolução Russa.

Na Sibéria, rodou por Omsk e Irkutsk, que abriga o Lago Baical, o maior do mundo em volume de água e em profundidade (1.620 m), além de ser a maior reserva de água doce do mundo (1/5 do planeta). A última parada foi Vladivosto,k, depois de 10 mil km rodados nesta etapa. De lá, a moto foi embarcada para Paranaguá.

De Paranaguá à Índia

Em março deste ano, o audacioso projeto de Robson Cury chegou ao seu último capítulo. Ele embarcou, novamente acompanhado da mulher, para um período de 20 dias pela Índia, o segundo país mais populoso do mundo (1,3 bilhão de pessoas). Desta vez o percurso seria feito em cima de uma Royal Enfield, de 500 cc, alugada por lá. Viajou quase 3.000 km de Nova Déli até Bangalore. Segundo o curitibano, as estradas são boas e sem buracos, porém não há sinalização. Já o trânsito é caótico e há poucos semáforos. “Sem guardas para orientar, o tráfego é na base do quem chegar primeiro e frear por último tem a preferência. Curiosamente, são pouquíssimos os acidentes, embora quase todos os carros apresentavam riscos nas laterais”.

A mão de direção inglesa foi mais um complicador para Cury. Para piorar, os indianos não costumam fazer uso dos retrovisores -— isso quando os veículos traziam, pois muitos não possuíam o equipamento do lado passageiro. O pisca-pisca também é um recurso incomum. Nas rodovias somente caminhões, mas poucos têm luz de freio. Costumam entrar na pista sem olhar e quem vem atrás é obrigado a frear.

Ele conheceu pontos turísticos obrigatórios, como o palácio Taj Mahal, o monumento mais famoso do país, e o Templo dos Macacos.

Cury fechou sua odisseia com um olhar diferente para o mundo, que conheceu como poucos. O magistrado desembarcou em Curitiba com gostinho de quero mais. E já faz planos para um novo desafio: desbravar a Nova Zelândia em novembro e dezembro deste ano.

Serviço: O registro da aventura pode ser visto na exposição que a Motonda – Centro Honda de Curitiba está organizando na loja da Avenida Kennedy, 860, no Rebouças.

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