Até aonde vai a responsabilidade dos fiadores no contrato de locação (III-III)

O teor da Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça é utilizado pelos julgadores como fundamentopara afastar a responsabilidade do fiador pelo período de prorrogação do contrato de locação.Tal fundamento é parte da crise de hermenêutica jurídica que assola os tribunais.

Antes de entrar no assunto específico da súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça, cumpre-nos rebater outro argumento que pretende limitar a fiança ao tempo determinado do contrato. O argumento é de que mesmo constando cláusula expressa estendendo a fiança, presume-se que o fiador não pretendeu que assim fosse.

Este argumento é contrário aos termos do artigo 131 do Código Civil revogado, repetido pelo artigo 219 do novo código. Este artigo determina:

“… as declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários…”.

Portanto, é inversão a regra do artigo quando se presume sobre o que declarou o fiador na assinatura do contrato não condiz com a verdade. Temos neste argumento a inversão da presunção legalmente estabelecida. Tal procedimento não pode ser admitido.

Para finalizar o tema fiança vamos considerar os termos Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça e a sua equivocada interpretação. A presente súmula traz o seguinte teor:

“O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento que não anuiu”

Alguns julgadores e estudiosos do Direito vêem neste texto a limitação temporal da fiança. Entendem que o período indeterminado do contrato de locação representa aditamento contratual. Também que, não tendo o fiador anuído com este aditamento não deve responder por encargos daí resultantes.

Contudo, a Lei em questão apresenta que o fiador não pode ser responsável por novas obrigações firmadas entre as partes que venha somar-se às obrigações contratuais já existentes.

A prorrogação do contrato de locação não importa em aditamento. Via de regra, já é cláusula anteriormente estabelecida. Não havendo entre locador e locatário nova avença para que a prorrogação se dê, esta decorre de forma automática, conforme prescreve a lei.

Não há que se falar que o contrato foi aditado. Na prorrogação é, apenas, dado vida à cláusula já firmada com a anuência do fiador.

Este entendimento não é isolado, somos acompanhados por alguns tribunais e juízes. Caminhando na mesma esteira, podemos trazer o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que no julgamento da Apelação Cível n.º 2000011009521, pela 3.ª Turma. Este órgão corroborou o pensamento, fazendo constar do Acórdão:

“… II – Prorrogado o contrato de locação, prorroga-se a fiança que foi prestada de forma clara e expressa até a Resolução do contrato. Situação particular dos autos que não se amolda à orientação preconizada pela Súmula n.º 214/STJ, que trata especificamente da hipótese de exoneração de responsabilidade do fiador, por obrigação decorrente de novação em contrato de locação, a cujos termos aquele, enquanto devedor solidário, não anuiu…”

No nosso sistema não existe o efeito vinculante das decisões das Cortes Superiores. Se passar a existir se limitará às decisões do Supremo Tribunal Federal, conforme projeto de lei tramitante no Congresso Nacional.

As súmulas são meros instrumentos de orientação jurisprudencial, não sendo fonte de norma jurídica. Por esta razão, é dever dos estudiosos do direito orientar-se mais pela aplicação das normas ao caso concreto que às decisões sumuladas.

A verdadeira resolução de conflitos de interesses pelo Estado se dá com base na análise posterior e elaborada dos casos, não podendo o julgador se limitar a seguir orientação em decisões anteriores.

O maior objetivo da uniformização jurisprudencial é assegurar certeza e segurança jurídica, sem importar na estratificação do direito. O direito deve ser estável, mas não estático. Desejando-se sempre quando for necessária, a mudança que seja no sentido do progresso.

Por estas razões, a aplicação desta súmula à prorrogação da fiança por tempo indeterminado há que apresentar argumentos contrários. O Direito não merece que seus estudiosos se curvem a entendimentos com os quais não concordam, simplesmente, porque já se decidiu de forma diversa.

Ao que não se apresenta como a melhor interpretação das normas positivadas em lei é trabalhar no direito como um robô. Portanto, abstendo-se de pensar, de raciocinar e questionar, tornando o advogado um mero reprodutor de pensamentos que não são seus.

José do Carmo Badaró

é Advogado especialista em Direito Imobiliário. badaro@jcbadaro.com.br

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