Assistência social e a inclusão excludente da pessoa com deficiência

Uma breve análise de nossa política assistencial após a Constituição de 1988 ofereceria debates sobre os mais diversos desafios vivenciados pelas pessoas com deficiência e idosas carentes. Seria importante colocar luzes, por exemplo, sobre a natureza reconhecidamente restritiva do critério econômico para se considerar uma família carente (renda mensal familiar per capta inferior a ¼ do salário mínimo). Também haveria espaço para fundadas críticas ao conservador posicionamento do STF quanto aos direitos dos segurados da Previdência Social e igualmente aos direitos da Assistência Social. Algumas decisões de que o critério da renda mensal é absoluto e não admite flexibilização pelo Judiciário constituem exemplo de conservadorismo e de ranço do método matemático na realização da arte jurídica.

As preocupações não se limitariam, porém, aos requisitos legais para concessão do benefício assistencial, mas à tendência de diminuição do nível de proteção social em nosso País. Isso porque em uma atmosfera neoliberal de austeridade fiscal, de sucessivas reformas restritivas de direitos previdenciários apoiadas em um falacioso discurso de déficit da Seguridade Social, tende a prevalecer um raciocínio individualista e anti-solidário que conduz à miséria o que porventura exista de dignidade humana entre as pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade. Por isso se reproduz com angustiante facilidade o argumento opressivo de que não existe refeição grátis, forma mais cruel de se banalizar a injustiça social e o sofrimento humano em decorrência da fome e da exclusão. Este texto é dedicado à última questão: a exclusão.

Não é o caso, aqui, de se reafirmar o que é de conhecimento comum, isto é, a exclusão de quem é considerado infeliz de mais para receber cobertura previdenciária e infeliz de menos para receber proteção assistencial. Antes, pretende-se apontar para a persistente e injusta exclusão sofrida pelos idosos ou pessoas com deficiência que recebem, mensalmente, a prestação assistencial de um salário-mínimo. É precisamente isso que nos provoca atenção: a absoluta falta de estímulo para que a pessoa com deficiência em gozo de benefício busque inserção social pela via do mercado de trabalho. Falta de estímulo que se traduz em ausência de acessibilidade e que resulta em uma silenciosa condenação à exclusão e ao não desenvolvimento. E não é mesmo assim? Que recompensa afinal é prevista ao beneficiário da Assistência Social que, sendo portador de deficiência, na busca de independência e auto-respeito, ousa romper no mercado de trabalho formal, superando todos os obstáculos (que em verdade lhe são impostos pela sociedade e não pela natureza)? Paradoxalmente, a recompensa não é a atribuição de um prêmio, mas a imposição de uma pena, um castigo por tal ousadia; concretamente: a extinção do benefício.

Dessa forma colocada a política pública assistencial, abrem-se três caminhos – todos lastimáveis e indignos de nossa civilização – à pessoa com deficiência que cogita habilitar-se a uma atividade profissional: primeiro, o conformismo do beneficiário em relação à exclusão e à dependência absoluta da sociedade, que é também o caminho do estigma da inutilidade e da dependência; segundo, a rebeldia do beneficiário que se lança ao trabalho informal, submetendo-se aos caprichos do capital, carregando ainda o estigma de fora-da-lei e a angústia do possível cancelamento do benefício, reflexo da culpa e do sofrimento que lhe impingem nossas instituições; terceiro, o caminho da renúncia do beneficiário à proteção assistencial, mediante a formalização de um contrato de trabalho de duração tão precária quanto a boa vontade de nosso utilitarista mercado de trabalho. Neste último caso, o que se tem é o temor de perda definitiva da proteção social com seus maléficos efeitos.

Esses caminhos deixados à pessoa com deficiência são bem traduzidos na expressão “armadilha da pobreza”: dependência, exclusão, estigma, desigualdade e sofrimento humano.

Contudo, espera-se de nossas instituições a sensibilidade necessária para ouvir os que não têm voz, sensibilidade que deve ser traduzida em adoção e implementação de política pública que assegure um novo horizonte à pessoa com deficiência incapaz e carente. Esse novo caminho passa necessariamente pela inversão de recompensa, o que se pode realizar mediante: a) garantia do benefício assistencial integral por período mínimo mesmo após a comunicação de exercício de atividade remunerada, independentemente do rendimento do trabalhador, como real estímulo para inclusão; b) a garantia do benefício assistencial de modo parcial para os trabalhadores de baixa-renda, mesmo após o período mínimo antes referido; c) a garantia de nova concessão da prestação assistencial para o caso de desemprego da pessoa com deficiência, uma vez verificada a persistência da carência familiar e da deficiência que justificaram a concessão inicial do benefício.

Uma política pública assistencial realmente orientada à igualdade terá como resultado efetiva inclusão dos menos favorecidos, mediante a formalização de atividades muitas vezes de modo tímido e precário empreendidas pelos beneficiários da Assistência Social. Uma tal política assistencial consubstanciará importante passo em ordem à justiça social, deixando ir livre seu beneficiário, em vez de prendê-lo no círculo da dependência ou descartá-lo para as raias da marginalização.

José Antonio Savaris é juiz federal do 1.º Juizado Especial Cível e Previdenciário de Curitiba, doutorando em Direito da Seguridade Social (USP), mestre em Direito Econômico e Social (PUC-PR), professor de Direito Previdenciário da Escola da Magistratura Federal do Paraná Esmafe-PR e da Escola Paulista de Direito Social EPDS. Presidente de honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário.