As sociedades empresárias estrangeiras e o novo CCB

O atual Código Civil brasileiro trouxe profundas modificações no plano do Direito Privado nacional. Dentre as alterações metodológicas apresentadas, destacam-se a total unificação do direito das obrigações privadas, a parcial revogação do Código Comercial brasileiro de 1850 e a adoção de técnica legislativa denominada cláusulas gerais, nos pontos nucleares do novo texto legal. Ainda que de inquestionável relevância a matéria da técnica legislativa que enfeixa o sentido ideológico da nova codificação civil brasileira, interessa saber sobre mudanças alusivas ao direito de empresa (brasileira), quando dela participa sociedade empresária estrangeira.

O atual Código Civil, no sentido da parcial unificação do Direito Privado, acrescentou um novo livro à sua parte especial, em contraste à revogada codificação de 1916, denominado Livro II – Do Direito de Empresa. Pode-se afirmar que o CC brasileiro, além dos clássicos pilares da propriedade, do contrato e da família, convive hoje com um quarto fundamento: o direito de empresa. A divisão temática interna deste novo ramo do Direito Civil é a seguinte: do empresário (arts. 966 a 980); da sociedade (arts. 981 a 1.134); do estabelecimento comercial (arts. 1.142) e dos institutos complementares (arts. 1.150 a 1.179).

A nova sistemática adotada abandona a figura do comerciante, compreendendo o mercado organizado e consolidado no papel do empresário. A distinção entre comerciante e empresário é mais ideológica e histórica que científica, com a atualização do perfil do comerciante, que atuava como simples intermediário entre as incipientes indústrias e o consumidor, e hoje mantém uma atividade econômica organizada entre a produção, a distribuição e a comercialização. A alusão ao empresário no início da abordagem do tema revela uma indisfarçável aproximação ao Código Civil italiano de 1942, sendo que o brasileiro (art. 966) define este como “… quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Tal definição é praticamente uma versão literal da legislação italiana. Assim, o empresário europeu poderá utilizar, por meio de sua empresa ou por iniciativa pessoal, a noção do Direito Civil italiano para o atual entendimento da legislação civil brasileira, servindo o primeiro como referência comparada segura.

A atual legislação civil brasileira absorveu e ainda revogou a lei especial sobre as Empresas Limitadas, regulamentando totalmente a matéria outrora disposta pelo Dec. 3.708/19 (art. 2.º, § 1.º, Lei de Introdução ao Código Civil). Dessa forma, toda normatização sobre as Empresas Limitadas é feita somente pelo CC. Nesse plano, interessa saber se a nova codificação apresenta imposições para as sociedades estrangeiras sócias de empresas limitadas brasileiras e, em se confirmando tais exigências legais, qual seria o comportamento a ser adotado.

Introduziu-se novamente na órbita do Direito Privado brasileiro a distinção entre empresas nacional e estrangeira, o que havia sido banido por força do vigente sistema constitucional brasileiro, o que está disposto nos arts. 1.126 e 1.134 do Código Civil, na exata passagem por meio da qual a codificação, respectivamente, conceitua Sociedade Nacional e Sociedade Estrangeira. Diz o código para a Sociedade Estrangeira: “A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira”.

São as seguintes opções da sociedade empresária estrangeira, independentemente da extensão da sua participação societária na empresa nacional: obter autorização especial de funcionamento do Poder Executivo, atendendo às especificidades do setor que explora a empresa brasileira e da qual participa ou transformar a Sociedade Limitada brasileira em Sociedade Anônima, submetendo-se ao processo de conversão específico previsto pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). O CC ofereceu aos empresários e às sociedades das quais participam o prazo de um ano para que procedam às necessárias adaptações societárias (art. 2.031), período que encerra em 11/1/2004.

Caso se mantenha inerte, a sociedade empresária brasileira ingressará no plano da atividade irregular, podendo alterar sua natureza de responsabilidade limitada para Sociedade Simples, cuja maior diferença diante da Sociedade Limitada é a responsabilidade ilimitadamente e, por vezes, solidariamente dos sócios perante terceiros (art. 1.023).

A recomendação geral, portanto, é que a sociedade empresária estrangeira se adapte ao novo regime jurídico civil antes do prazo previsto, evitando assim os dissabores de uma ilimitada responsabilidade pelos atos sociais perante terceiros.

Paulo Nalin

é advogado.
www.poppnalin.com.br

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