As exportações de serviços e o ISSQN

A Constituição Federal de 1988 estipulava, desde seu texto original (artigo 156, § 4.º, II) que cabia à lei complementar excluir da incidência do ISSQN exportações de serviços para o exterior. Atualmente, referida previsão está no artigo 156, § 3.º, II, com a redação conferida pela EC n. 3/93. Somente depois de quase quinze anos de vigência da Carta Política de 88, é que surgiu a Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, dispondo sobre o ISSQN.

O decurso de tanto tempo força reflexão sobre a natureza jurídica da regra maior, sobre se seria norma constitucional imunizante ou apenas norma constitucional suporte da outorga de isenção, na impecável distinção estabelecida pela Professora Doutora Regina Helena Costa, in Imunidades Tributárias – Teoria e Análise da Jurisprudência do STF.

Ela sublinha que se a norma constitucional não define, expressa e suficientemente, uma hipótese de exoneração tributária, conferindo tal tarefa ao legislador menor, estar-se-á diante de mera isenção, lastreada em regra constitucional de eficácia limitada, que, necessitando de intermediação legislativa, melhor exprime a faculdade de isentar e não a exoneração tributária constitucional.

Só essa dicotomia é que pode justificar o passar de década e meia para a implementação da desoneração pelo ISSQN das exportações de serviços.

Salienta a Dra. Regina Helena Costa que a Constituição Federal não confere isenções, isto não significando e que uma isenção não possa ter como estofo um preceito constitucional específico. E exemplifica, entre outras situações, exatamente quando ela discrimina a exclusão da incidência do ISSQN nas exportações.

Tanto admitido como verdadeiro, é nesse contexto que hão de ser examinadas as disposições da LC n.º 116/2003 acerca da não incidência do ISSQN sobre exportações de serviços, especialmente aquelas que restringem a intributabilidade às condicionantes negativas do parágrafo único de seu artigo 2.º, vale dizer, a não tipificação de exportação de serviços quando o labor seja desenvolvido em território nacional, circunstância cumulada com que o resultado do trabalho se verifique em território nacional, embora o pagamento seja feito por pessoa física ou jurídica residente ou sediada no exterior.

Dentro desses limites- isto é, tratar-se de isenção com arrimo em disposição constitucional de eficácia limitada e não de imunidade – discordamos daqueles que vislumbram inconstitucionalidade no condicionamento do parágrafo único do artigo 2.º da LC n. 116/03, quando a lei complementar teria supostamente extrapolado sua função de regulamentar a Constituição, indo em contrário àquilo expressamente nela determinado.

É que a Constituição, não definindo cabalmente o caso de exoneração, deu ao legislador comum, complementar, a capacidade de arquitetar a inteireza da norma isentiva.

Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues, in “O ISS e a LC 116” afirmam que “(…) para que se considere o serviço `exportado’, é necessário que a prestação ocorra fora do Brasil. Caso contrário, será tributado, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior (…)”.

Não suscitam qualquer fumaça de inconstitucionalidade nas disposições da LC n.º 116/03, mas, com o devido respeito, parece que se excederam na afirmativa de que só será considerado como “exportado” o serviço cuja prestação seja realizada fora do País.

Parece possível a não incidência do ISSQN sobre prestações de serviços que sejam aqui desenvolvidas, mas cujos resultados se verifiquem fora do País, e desde que a contraprestação seja feita por residente no exterior, pois que as condições de inaplicabilidade da regra de desoneração são cumulativas; em outras palavras: para que um serviço prestado a estrangeiro (pessoa física ou jurídica) não seja tido como “exportação de serviço para o exterior”, não é bastante que não seja desenvolvido fora do País, sendo imperativo que seu resultado aqui se verifique, se consume.

Imaginemos que um profissional ou empresa brasileira seja contratado por residente no exterior para a prestação de um determinado serviço, que seja aqui desenvolvido, mas cujo resultado se concretize no exterior, e cujo pagamento seja feito em moeda estrangeira. Nesse caso, teremos uma “hipótese de não-incidência do ISSQN”, albergada pelo caput do artigo 2.º da LC n.º 116/03, pois que materializar-se-á uma “exportação de serviço para o exterior”.

Pensemos que uma empresa especializada em serviços de informática, com estabelecimento no Município de São Paulo, seja contratada por uma empresa argentina, sediada em Buenos Aires, para a elaboração de um programa de computadores. O trabalho será aqui desenvolvido, mas é certo que seu resultado, consistente na sua aplicação, verificar-se-á no exterior, e o pagamento pela prestação do serviço será feito por alguém residente fora do País.

Figuremos que consultores econômicos com escritório no Rio de Janeiro sejam contratados por uma empresa inglesa para realizar estudo de viabilidade financeira de um determinado empreendimento que se pretende instalar no Brasil. É certo que os estudos serão desenvolvidos em território nacional, mas não é menos verdadeiro que o resultado útil do trabalho se concretizará na Inglaterra, onde as suas conclusões serão avaliadas pelos empresários interessados no investimento, que farão, igualmente, o pagamento pelo serviço.

Nas duas conjeturas, é certo que, conquanto o desenvolvimento do programa de computação e do estudo econômico sejam aqui efetivados, seus resultados, a fruição do resultado dos serviços ocorrerá fora do País.

Raciocínio contrário, na direção de que quando o serviço é aqui desenvolvido, aqui também necessariamente acontece a verificação do seu resultado, a par de não ter respaldo na realidade fática, implicaria, sem sombra de dúvida, em antinomia, em se fraudar a razão teleológica da desoneração, que é justamente dar competitividade aos brasileiros prestadores de serviços.

Para que se possa sustentar a intributabilidade pelo ISSQN de serviços aqui prestados a residentes no Exterior, deverão ser examinadas cada uma das situações factuais específicas, pois o traço distintivo, que pode levar à desoneração, reside no local onde se deve dar como verificado o resultado da prestação.

Luiz Fernando Mussolini Júnior

é advogado, professor titular em Direito Tributário no Centro Universitário Álvares Penteado – UniFECAP e juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo.

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