As centrais e a reforma sindical e trabalhista

Juntamente com o advogado Iraci da Silva Borges participei de debate com dirigentes sindicais de entidades de trabalhadores e empregadores do Paraná visando esclarecer pontos pouco abordados sobre a legalização das Centrais Sindicais, em especial diante dos debates coordenados pelo governo federal no Fórum Nacional do Trabalho. Do encontro, resgato algumas questões para reflexão de um tema vital nas relações de trabalho, pois as Centrais Sindicais têm desempenhado papel fundamental no recente processo de transformação social em nosso país.

Parece ser consenso de dirigentes sindicais de empregados e empregadores e do próprio governo, a necessidade da legalização das Centrais Sindicais, pois (1) são organizações já reconhecidas institucionalmente, inclusive com representação oficial no FAT, Conselho Monetário Nacional, Conselho do FGTS, Conselhos Estaduais do Trabalho, para citar alguns importantes organismos (2) são os principais interlocutores políticos do governo federal no campo sindical dos trabalhadores (3) foram a base de estruturação do Fórum Nacional do Trabalho em relação à bancada dos empregados (4) dirigem importantes negociações coletivas (5) têm representação internacional (6) mobilizam conjunto de categorias nacionalmente em campanhas salariais e sociais, entre outros fatores. Ora, se há o reconhecimento de fato e institucional, por que até agora não foram legalizadas, quinze anos após a CF/88?

As Centrais são organizações fora do sistema confederativo, mas várias confederações e federações que compõem o sistema sindical constitucional fazem parte direta das Centrais. É paradoxal, mas é a realidade. Enquanto o sistema é definido pela unicidade e verticalidade, as Centrais nascem fora e até mesmo em crítica a esse sistema, mas se interpenetram, hibridamente. Enquanto a unicidade é o sistema constitucionalmente reconhecido, as Centrais são pluralistas, formadas horizontalmente por todas as categorias profissionais e sem a correspondente organização empresarial, pois os empregadores, até este momento, não manifestaram interesse em constituir uma Central.

O governo federal quer a legalização das Centrais e vai alem, pretendendo que o sistema sindical seja formado a partir das Centrais, invertendo a atual predominância do sindicato que detém o direito de negociar os acordos e convenções coletivas de trabalho e de representar trabalhadores e empregadores judicial e extrajudicialmente. Embora o Ministério do Trabalho ainda não tenha uma proposta clara de como seria a nova estrutura a partir das Centrais, verifica-se que dois deputados federais do PT e oriundos da CUT formularam, em seu projeto de emenda constitucional, um esboço desse novo sistema.

Na PEC 29/2003 está claro a introdução da Central no sistema confederativo, embora pluralista. O inciso III da emenda proposta tem a seguinte redação: “III – ao sindicato, federação, confederação ou central sindical cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais dos trabalhadores, inclusive como substituto processual, em questões judiciais ou administrativas”. A alteração ao atual inciso III é a supressão da palavra “categoria” e a inclusão da palavra “trabalhadores”, sem incluir, provavelmente por lapso, a palavra “empregadores”. Além disso, foram incluídas a federação, confederação e central sindical. Mantém o sistema de defesa de direitos e de interesses, inclusive pela Central Sindical como substituto processual. Sendo entidade representativa de filiados, a representação judicial ou extrajudicial dependerá exclusivamente da autorização expressa dos associados, nos termos do artigo 5.º, XXI, da CF/88: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”. Em conseqüência, o Sindicato e/ou Federação e/ou Confederação poderão ser re-presentadas pela Central, o Sindicato pela Federação ou Confederação, a Federação pela Confederação, uma vez que não há restrição no sistema representativo, por não existir limitação de categoria ou base territorial.

Ainda na PEC 29/2003, é mantida a redação do inciso VI do art.8.º da CF/88, no qual ” é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”, mas é inserido um novo dispositivo, o inciso X, a saber: “X – os litígios entre as entidades sindicais pela legitimidade para negociação coletiva serão submetidos à central sindical a que elas sejam filiadas ou a comissão mista composta pelas diversas centrais sindicais quando elas forem filiadas a centrais distintas; ou por mediação e arbitragem, quando não houver acordo na comissão mista ou quando as entidades não forem filiadas a qualquer central.” Primeiramente, somente poderá haver negociação coletiva de trabalho com a presença do Sindicato. Entretanto, este poderá delegar poderes para a Federação, Confederação ou Central para essa representação. Em segundo lugar, o novo sistema derroga totalmente os dispositivos legais sobre acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho relativamente a aplicação para as categorias profissionais e econômicas, na medida que estas são eliminadas. Assim, esses instrumentos coletivos são aplicados apenas em relação aos filiados das entidades signatárias dos ajustes. O atual sistema de negociação coletiva estende, obrigatoriamente, todas as normas a todos os trabalhadores e empresas representados pelas entidades sindicais que firmam o acordo ou convenção. No novo sistema, aplicam-se somente aos filiados, pois o sindicato e demais entidades representariam somente a esses.

A terceira questão, quanto ao inciso X, ou seja, sobre o possível litígio para a representação na negociação coletiva, a justificativa é a seguinte: ” Em primeiro lugar, dispõe a presente PEC sobre a solução de conflitos de representação para fins de negociação coletiva. Num sistema de liberdade sindical, vários podem ser os sindicatos que representam trabalhadores e empregadores. É preciso definir qual deles tem legitimidade para negociar e, conseqüentemente, firmar convenção e acordo coletivo de trabalho. Caso ocorra esse tipo de conflito, três são as hipóteses que podem ser adotadas: 1. Submeter o litígio de representação à central sindical à qual são filiados os sindicatos litigantes; 2. Formar uma comissão composta pelas diversas centrais às quais são filiados os sindicatos envolvidos a fim de solucionar a disputa; 3. Submeter o conflito à mediação e à arbitragem, caso os sindicatos não sejam filiados a nenhuma central ou quando não alcançarem uma solução”. Verifica-se, pois, a predominância das Centrais na proposta apresentada, até mesmo como organismo que concederá legitimidade a outra entidade para negociar.

Diante de tal proposta, ambígua e contraditória, a melhor fórmula para a resolução do tema parece ser a simples legalização das Centrais Sindicais, reconhecendo seu papel articulador e político, mantendo-se o sistema confederativo sindical de unicidade e a prioridade do sindicato no processo negocial e de re-presentação judicial e extrajudicial, com a presença das Centrais desde que admitida pelas partes. A matéria é complexa e apenas indicamos alguns pontos dos muitos outros que poderão ser abordados nos debates da reforma sindical e trabalhista. Muito mais se terá a considerar, especialmente quando o governo federal definir sua posição através de emenda constitucional.

COMISSÃO DA REFORMA TRABALHISTA: Será dia 7 de novembro, a partir das 9:00 horas, no auditório do Tribunal Regional do Trabalho, a audiência pública da Comissão da Reforma Trabalhista da Câmara dos Deputados, a ser dirigida pelo deputado Vicentinho e pela deputada Dra. Clair da Flora Martins, visando o debate dos pontos principais da reforma trabalhista e sindical. Na oportunidade, também em análise as conclusões da Conferência Estadual do Trabalho, parte integrante do Fórum Nacional do Trabalho.

REFORMA TRABALHISTA – UTOPIA OU REALIDADE: A Unicep realizará dias 13 e 14 de novembro curso de extensão sobre a reforma trabalhista e sindical destinado advogados, juízes e procuradores do trabalho, sindicalistas, estudantes de direito e áreas afins, profissionais de administração e recursos humanos, além de outros interessados. Os temas a serem enfocados pelos profissionais debatedores e representantes de entidades convidadas serão: Realidade e futuro da legislação, Visão Sindical, reforma trabalhista e Poder Judiciário, Resolução Alternativa de Conflitos: experiências já existentes, Reflexos da reforma trabalhista na folha de pagamento, Reforma trabalhista – custo/benefício ( informações: 41.317.3092).

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE SOFTWARE LIVRE: A Celepar e a Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Processamento de Dados realizarão dias 5 a 7 de novembro a Conferência Internacional de Software Livre-Brasil, com a presença de Jon “maddog” Hall, presidente da Linux Internacional, Richard Stallman, criador do sistema GNU e presidente da Free Software Foundation. Trata-se de um dos mais importantes eventos já realizados no país sobre software livre segundo o presidente da Celepar, Marcos Mazoni, inclusive com debates sobre as questões jurídicas (informações: softwarelivre@networkeventos.com.br).

MARGARETH MATOS: A procuradora do trabalho Margareth Matos será cidadã honorária de Curitiba, recebendo seu diploma em sessão solene na Câmara Municipal de Curitiba, a partir das 20 horas do dia 6 de novembro, por proposta do vereador e advogado André Passos.

Edésio Passos

é advogado, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores, menbro da abrat, do IAB e do corpo técnico do DIAP, autor de estudos e livros sobre Direito do trabalho, ex-deputado federal (PT-PR). E-mail:
edesiopassos@terra.com.br

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