As alterações instituídas pela Lei N.º 10.931/04, no Decreto-Lei 911/69

A Lei n.º 10.931/04, de 02/08/04, e que entrou em vigor na data de sua publicação trouxe mudanças significativas na disciplina do Decreto Lei n.º 911/69, norma regulamentadora das Ações de Busca e Apreensão que têm por objeto contratos de financiamento garantidos por alienação fiduciária de bens móveis.

A nova disciplina vem mo-dernizar as relações de direito processual, no âmbito daquelas lides, visando também a maior celeridade e efetividade dos processos de tal natureza, anseio que era visível em razão de que as regras antigas já datavam trinta e cinco anos.

As principais alterações que a Lei n.º 10.931/04 introduziu no Decreto-Lei 911/69 dizem respeito à purgação da mora, ao prazo para o devedor fiduciante contestar a ação e à possibilidade do credor fiduciário efetuar a venda do bem, mesmo antes de sentença liberatória.

Na disciplina anterior ao advento da lei acima citada, o procedimento nas ações de Busca e Apreensão, era o seguinte: primeiramente, se concedida a liminar e efetivada a apreensão do bem, o réu era citado para, em três dias, contestar o feito e, caso quisesse e já tivesse pago 40% (quarenta por cento) do preço financiado, requerer a purgação da mora, a qual implicava no pagamento das parcelas em atraso, devidamente acrescidas de juros e correção monetária, das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados pelo magistrado.

Passo seguinte, caso fosse requerida a purgação da mora tempestivamente pelo devedor, o magistrado concederia prazo para pagamento, o qual não poderia ser superior a dez dias, remetendo os autos para a contadoria judicial para cálculo do valor a ser pago.

Após isto, contestado ou não o feito e não purgada a mora, o juiz deveria proferir sentença em cinco dias, sendo que a mesma tinha caráter constitutivo, pois consolidava a posse e a propriedade plena e exclusiva nas mãos do credor fiduciário.

Ainda, a jurisprudência mais moderna do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Estaduais, já vinha admitindo a purgação da mora, mesmo que o devedor não houvesse pago ainda 40% (quarenta por cento) o preço financiado.

Por fim, na contestação, o requerido poderia apenas alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais.

Entretanto, a nova disciplina das ações de Busca e Apreensão fundadas em contratos garantidos por alienação fiduciária de bens móveis, com o advento da Lei n.º 10.931/04 é bastante diversa.

Com efeito, pois o artigo 56, da lei supra, modificou os parágrafos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, acrescendo ainda, os parágrafos 7.º e 8.º, ao referido dispositivo de lei, alterando substancialmente o procedimento de tais demandas.

O § 1.º passou a vigorar com o seguinte texto: “Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária”, sendo que o § 2.º, passou a ter a seguinte redação: “No prazo do § 1.º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus”.

Dessa forma, restou extinta a figura da purgação da mora e, ainda, caso seja o desejo do credor fiduciário, não se faz mais necessário o advento da sentença constitutiva que liberava o bem para a venda extrajudicial.

Isto porque, agora, depois de executada a liminar, com a apreensão do bem, o devedor terá prazo de cinco dias para efetuar o pagamento da integralidade da dívida, ou seja, todas as parcelas do contrato de financiamento, incluindo-se aí as vencidas e vincendas, cujo valor deve ser indicado pelo credor fiduciário na petição inicial, e caso aquele assim o faça, bem deve lhe ser restituído sem ônus da alienação fiduciária.

Ainda, com a nova regra do § 1.º, o credor fiduciário não precisa aguardar a sentença liberatória, de procedência da ação, para efetuar a venda extrajudicial do bem; basta apenas aguardar o prazo de cinco dias concedido ao devedor para que o mesmo faça o pagamento da integralidade da dívida e, caso isto não ocorra, poderá o credor vender o bem, cabendo às repartições competentes expedirem o novo certificado de registro do bem, livre do ônus da alienação fiduciária e em nome do credor ou do terceiro por ele indicado.

A Lei n.º 10.931/04 também alterou as regras atinentes à contestação, modificando o prazo para sua apresentação e o conteúdo que pode ser alegado pelo requerido.

Isto porque, os parágrafos 3.º e 4.º, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 911/69, passaram a vigorar com a seguinte redação: “§ 3.º O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar; § 4o A resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha se utilizado da faculdade do § 2.º, caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição”. Dessa forma, o prazo para contestar o feito, que era de três dias, passou a ser de quinze, e não há mais restrição de matérias que podem ser alegadas em defesa, sendo que, inclusive caso o devedor tenha pago a integralidade do débito e tenha sido restituído na posse do bem, já sem o ônus da alienação fiduciária, e entenda que pagou valores a maior, poderá requerer a devolução do que pagou a mais.

A nova legislação também acrescentou duas regras novas à disciplina das ações de Busca e Apreensão fundadas em contratos garantidos por alienação fiduciária, para garantir o ressarcimento de eventuais prejuízos que podem ser causados ao devedor, caso a sentença final pugne pela improcedência do feito. Assim, alterou-se o parágrafo 6.º e acrescentou-se o parágrafo 7.º, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 911/69, que passaram a dispor o seguinte “§ 6.º Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado. § 7.º A multa mencionada no § 6.º não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos”.

Destarte, caso o credor fiduciário já tenha alienado o bem e a sentença final da ação de Busca e Apreensão seja improcedente, o devedor terá direito a uma multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor financiado, sem prejuízo de eventual indenização por perdas e danos. Tal situação foi criada pelo legislador para que se proteja o devedor, em caso de futura improcedência do feito.

Ainda, a nova legislação não prevê expressamente o que será determinado na sentença de improcedência da ação, caso o bem não tenha sido alienado pelo credor fiduciário, mas, salvo melhor juízo, não se pode fazer outra interpretação que não seja determinar-se à instituição financeira que restitua a posse direta do bem ao devedor.

Ao que parece, a nova disciplina das ações de Busca e Apreensão que têm por objeto contratos de financiamento garantidos por alienação fiduciária, veio dar maior agilidade à venda extrajudicial dos bens e aplicação prática ao pactuado entre as partes nos respectivos instrumentos contratuais.

Nesse último aspecto, ressalte-se que os contratos de financiamento com alienação fiduciária em garantia, em sua imensa maioria (para não dizer na totalidade) prevêem o vencimento antecipado de todas as parcelas do empréstimo, após o inadimplemento de qualquer delas. E, em sendo assim, a nova regra que estabelece que o devedor poderá efetuar o pagamento da integralidade da dívida atende ao estatuído contratualmente, pois, uma vez vencida e não paga uma prestação, todas as demais restam vencidas, devendo o devedor efetuar o pagamento de todo o saldo do contrato para ser restituído na posse direta do bem.

Outrossim, as instituições financeiras terão que se adaptar às novas regras, indicando na petição inicial o valor da integralidade do débito, posto que, se o devedor efetuar o pagamento da dívida, o bem deverá ser restituído ao financiado, quitando-se as obrigações contratuais do devedor, pois deve ser devolvido sem o ônus da alienação fiduciária.

Dessa forma, os riscos de eventual cálculo errôneo da dívida, no ajuizamento da ação, tanto para mais, quando para menos, ficarão por conta dos credores fiduciários. Se o cálculo apresentado na exordial for maior do que o débito, e o financiado exercer a faculdade que lhe confere a nova disciplina do § 2.º, do art. 3.º, do Decreto-lei 911/69, assume-se o risco daquele pleitear a devolução os valores pagos a maior; se, entretanto, o cálculo for menor do que o débito, assume-se o risco do financiado ver quitado seu contrato e liberada a alienação fiduciária em garantia por valor inferior ao efetivamente devido.

Ainda, os credores fiduciários assumirão os riscos também sobre eventual venda extrajudicial efetivada antes da prolação da sentença, pois, se, eventualmente. esta for improcedente, serão obrigados a pagar a multa prevista no § 6.º, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 911/69, em favor do financiado, sem prejuízo de sua responsabilidade por eventual perdas e danos.

De qualquer maneira, ambas as partes, credores fiduciários e devedores fiduciantes, têm respectivos ônus e bônus com o advento da nova legislação, que já está em vigor e que, ao que parece, veio objetivar maior agilidade às ações de busca e apreensão, principalmente no que tange à venda extrajudicial dos bens dados em alienação fiduciária, visando também maior efetividade ao estabelecido nos respectivos instrumentos contratuais, sem deixar de conferir, entretanto, garantias aos devedores fiduciantes no caso de lides improcedentes ou cálculos de débitos equivocados.

André Luiz B-uml Tesser

é advogado.

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