Argentinização do Brasil

Às vezes é melhor agir como o sábio chinês. Parecer sábio, ficando em silêncio. O presidente Fernando Henrique Cardoso, um homem culto, sociólogo, professor universitário, poliglota, perdeu uma boa oportunidade de ficar calado, embora nenhuma bobagem dissesse. Em entrevista, indagado pelo repórter numa entrevista radiofônica se o Brasil corre o risco de viver uma situação semelhante à da Argentina, respondeu: “Se os próximos governantes forem incompetentes, claro. É o que aconteceu na Argentina”. Evitando qualquer referência ou insinuação a algum dos pré-candidatos à sua sucessão, acrescentou que “um país desfaz uma situação de tranqüilidade em muito pouco tempo”, acrescentando: “Se você não tiver competência – e eu não quero divulgar quem tem e quem não tem – e não tiver respeitabilidade para fazer e coragem para tomar decisões difíceis, desanda.”

Não é preciso uma leitura muito atenta do que disse o presidente para concluir que respondeu o óbvio. Um governo incompetente pode fazer do Brasil uma Argentina. O contrário é mais difícil: um governo, mesmo que competente, não conserta com facilidade a bagunça em que entrou o país vizinho. Melhor seria, entretanto, que FHC nada respondesse ou saísse por alguma tangente que sua inteligência e verbo seriam capazes de inventar no momento.

Duas são as razões a recomendar o silêncio e a transformar em temerária a óbvia resposta dada. Uma é o clima de desconfiança do mercado a respeito do nosso País. Investidores e “analistas”, que pouco ou nada conhecem da realidade brasileira, podem captar a mensagem como sendo um prognóstico ou, no mínimo, a aceitação de que existe um risco efetivo e iminente de argentinização. E aí o risco Brasil vai para a estratosfera, desaparecem os investimentos e haverá uma corrida para retirar daqui as aplicações já feitas. Isto aconteceria quando FHC respondia a uma pergunta hipotética dentro de um cenário que não se afigura sequer provável, embora possível se realizadas as condicionantes a que se referiu. A segunda razão é que estamos em ano eleitoral, já nas ruas os nomes dos candidatos. Embora FHC não estivesse se referindo a nenhum dos pretendentes à chefia da Nação, a carapuça de incompetente foi experimentada por um e outro e, mesmo não servindo, lhes pareceu que se tratava de uma insinuação para influir no ânimo do eleitorado. Lula chegou a protestar contra as declarações presidenciais, interpretando-as como parte do jogo eleitoral.

Todos os atuais candidatos, uns mais e outros menos, podem ser considerados competentes. São progressistas, como os qualificou, em entrevista na Europa, o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. Têm vivência política, uns mais e outros menos. Administrativa, quase todos. O importante é verificar a competência de cada um para liderar a formulação de programas de governo e, em especial, a capacidade para montar competentes equipes. Como já comentamos neste mesmo espaço, o essencial é que o homem que vier a ocupar o Palácio do Planalto seja capaz de, quando preciso, apertar alguns botões e reunir uma time de hábeis especialistas. Se não for capaz disso ou de recrutar quadros competentes, poderemos de fato virar uma Argentina. Nós e qualquer país que, nas mesmas condições, tiver a infelicidade de alçar ao poder pessoas sem capacidade para governar.

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