Ao completar dois anos, Kirchner espera ‘plebiscitar’ seu governo

Nesta quarta-feira Néstor Kirchner celebrará dois anos ocupando "el sillón de Rivadavia", como é conhecida a vermelho-aveludada cadeira presidencial. Em maio de 2002, quando tomou posse, poucos acreditavam que chegaria até aqui. Com apenas 22% dos votos, as profecias políticas eram pessimistas, pois o indicavam como "o presidente mais fraco da história da Argentina". No pior dos casos, as previsões sustentavam que "El Pingüino" (O Pingüim), como é chamado popularmente, não duraria muito tempo no poder. No melhor dos casos, afirmavam, Kirchner poderia permanecer no posto, mas não passaria de um títere de seu padrinho político – e antecessor – o ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003).

Inesperadamente, dois anos depois, Kirchner tornou-se o presidente mais poderoso da Argentina. Ele controla a Câmara de Deputados, o Senado, a Corte Suprema e tem a obediência de quase todos os 24 governadores (apenas um, da pequena província de Neuquén, opõe-se férreamente). Além disso, tornou-se independente de Duhalde, caudilho da província de Buenos Aires, onde concentra-se 40% do eleitorado e um terço do PIB argentino. Kirchner também eliminou os vestígios de poder que possuía o ex-presidente Carlos Menem (1989-99).

Mas, o poder de Kirchner também corre seus riscos. Os protestos sindicais ressurgiram com força após dois anos de calmaria.

Funcionários públicos pedem aumentos salariais. A pobreza, embora menor, permanece em patamares recordes para um país que foi o paraíso da classe média. Já começam a aparecer denúncias sobre casos de corrupção que envolveriam alguns ministros do gabinete. A oposição reclama ao presidente a implementação de reformas (na estrutura dos partidos e nas forças de segurança). Os opositores também criticam o "estilo K", ou seja, a forma sem papas na língua do presidente. Segundo os críticos, os modos agressivos de Kirchner estão isolando a Argentina do resto do mundo.

Kirchner também é criticado por ser um dos presidentes mais centralizadores da história deste país, não deixando que seus ministros apliquem uma medida que não passe por seu crivo. Além disso, exerce férreo controle sobre a imprensa, o que lhe valeu críticas da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

Neste fim de semana, a principal revista do país, a "Notícias" chama Kirchner de "Napoleão". Sua presidência, afirma, é marcada "pela paranóia e hegemonia (…) Kirchner pensa que o Estado é ele (…) Governa como se fosse Bonaparte".

Kirchner deixou claro que começa uma nova etapa de governo, que será marcada pelas decisivas eleições parlamentares de outubro, nas quais serão renovadas a metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado, além das assembléias legislativas. Ele definiu essas eleições como um "plebiscito": "O povo vai dizer ‘sim’ ou ‘não’ ao governo. Precisamos aprofundar as reformas. Irei às ruas para plebiscitar as tarefas que teremos pela frente".

Para depois das eleições, terá que concluir as negociações com o FMI; renegociar com as privatizadas o fim do congelamento de tarifas; e atrair investimentos para o país, que nos últimos anos foi pouco "sedutor" com o capital estrangeiro.

Independemente das tarefas ainda pendentes, Kirchner já planeja a reeleição em 2007. Segundo a analista de opinião pública Graciela Römer, "é difícil" pensar na próxima eleição presidencial "logo em um país como a Argentina, onde o longo prazo não existe". No entanto, destaca que um dos pontos que favorece Kirchner é "a indefinição de lideranças da oposição. Não dá para ver, no momento, quem poderia ser uma alternativa contra Kirchner em 2007".

No entourage presidencial, os mais ambiciosos não descartam quatro períodos "K". O atual, com Néstor. O próximo (2007-2011), também. Mas os dois seguintes (2011-2015 e 2015-2019), com sua esposa, a senadora e primeira-dama Cristina Fernández de Kirchner, definida como "mais dura que Kirchner".

Sem contar com um respaldo político forte no início do mandato dedicou-se à um frenesi de medidas que atraíram a simpatia da população. Ele começou removendo a impopular cúpula da Polícia Federal e do Exército. Depois, renovou a Corte Suprema. Sem parar, atacou os credores internacionais, o FMI, as empresas privatizadas de serviços públicos e até o governo Lula. Nos últimos dois anos, Kirchner não se deteve uma semana sequer.

Römer disse à AE que sua popularidade explica-se atualmente "pelo bom funcionamento da economia. Em dezembro a imagem positiva do governo era de 45%. Mas, no último trimestre subiu para 60%. Minha impressão é que o aumento da geração de novos empregos, a diminuição da criminalidade e a reestruturação da dívida pública com os credores privados proporcionaram essa alta".

"Além disso, Kirchner é popular por certas características de sua personalidade, que entroncam com a psicologia do argentino médio. Mais do que sua forma austera de ser é seu lado rebelde que atrai. Os argentinos estão saindo da pior crise econômica de sua história, que deu um golpe muito forte à classe média. Dois terços dos novos pobres são ex-integrantes da classe média. De certa forma, Kirchner aparece para reivindicar os setores mais fracos".

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