Antes que ele vire santo

A guerra dos Estados Unidos contra o Iraque é condenável porque não há nada que a justifique. Este não é um argumento pacifista, é racional. Os Estados Unidos passaram oito anos sob Bill Clinton sem o confronto ser prioridade. A guerra, agora, é desejo da indústria bélica e petrolífera, em ganhar mais dinheiro. O governo americano sob este pateta George W. Bush merece repúdio. Mas não se pode omitir que uma parte do povo americano, incluindo intelectuais, protesta contra, como já fez na Guerra do Vietnã, contribuindo para o fim do conflito.

Isso é uma coisa, aliás, impossível de se imaginar no Iraque. E acontece nos EUA e na Inglaterra, porque apesar das ações imperialistas destes dois países, existem mecanismos democráticos, de livre expressão, que permitem a oposicionistas se manifestarem. Por isso, tão importante quanto se condenar a guerra, é observar que isto não representa considerar Saddam Hussein uma vítima ou um estadista. Ousesolidarizar com ele. Não!

Saddam Hussein está longe de ser um estadista. Ou uma vítima. Ele é um ditador. A vítima no caso é o povo iraquiano, duas vezes: de uma afronta externa e da ditadura de Saddam, no passado apoiada pelos EUA. Houve tempo em que Saddam era bom para os americanos. Subjugava o povo e fazia o que interessava a ele e ao governo americano, conter a revolução xiita para fora do Irã.

Se fosse um estadista não teria se submetido a isso e, com os recursos do petróleo, teria promovido o bem-estar de seu povo. No entanto, ele preferiu, desde o começo, o caminho da guerra. Primeiro contra o Irã. Esse conflito sangrento consumiu a vida de milhões de iranianos e iraquianos e deixou uma legião de aleijados e viúvas que até hoje se humilham para sobreviver. Se incluem entre as vítimas de Saddam, além do povo subjugado, e os vizinhos iranianos, ainda o Kuwait e os curdos.

Para efeitos matemáticos, nos últimos vinte anos, Saddam causou a morte de um número tão elevado de muçulmanos que seria estupidez comparar sua proeza neste campo com os americanos. Tudo isso, claro, não justifica a agressão americana. Mas também não absolve Saddam Hussein dos adjetivos com os quais ele merece ser identificado: um ditador sanguinário, ambicioso e que, por sede de poder regional, investiu contra países vizinhos e produziu pobreza. Se Bush é um pateta, Saddam é patético. Por isso, no afã de se condenar a guerra, não se deve caminhar na perigosa direção de canonizar facínoras.

O mais justo seria soltar os dois em uma ilha deserta do Pacífico para que um diante do outro mostrassem a coragem que têm. E tentassem sobreviver. Também tão perigoso quanto correr o risco de canonizar Saddam, é simplificar as sociedades árabes. Não há respostas superficiais para o fato de existirem dirigentes como ele. Fazer ilações a respeito das estruturas políticas dessas nações é algo temerário. As razões pelas quais são dominadas por, tipos como Saddam ou realezas venais e cruéis são históricas e complexas.

Não se pode esquecer que os árabes por séculos construíram uma civilização reluzente que produziu conhecimento e cultura dos quais o ocidente e a humanidade se beneficiaram. E é por isso que se deve ser contra a guerra, porque ela não liberta o povo árabe e tampouco engrandece o povo americano. Enriquece uns poucos. Como se livrar de Saddam é um problema do Iraque. Que Alá, Misericordioso, esteja com o povo.

Edilson Pereira

(edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.

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