Anomia e avanços científicos: uma nova ética para ciência?

A recente discussão sobre a proibição da transgenia de grãos apresenta importantes aportes na questão da ausência de uma delimitação normativa para a biotecnologia.

A emancipação humana com base na tecnologia, na ciência e na razão moldaram todo o período histórico da modernidade. Os crescentes avanços tecnológicos dos últimos tempos estabeleceram uma crença na ciência e na sua capacidade para solver os problemas sociais. Conforme descrito, a modernidade pulverizou a compreensão parcial dos fatos naturais e mobilizou o capital intelectual em direção a uma aproximação racional da descrição dos fenômenos. A promessa às gerações presentes e futuras do ?céu-na-terra? segue legitimando os avanços científicos.

De qualquer maneira, os avanços tecnológicos representam para a organização social um ganho significativo. Em seus efeitos, os renovados recursos técnicos produzem destacadas melhorias na qualidade de vida. Conforto, satisfação e prazer são otimizados, e as dores minimizadas. Este percurso vem sendo repetido ao longo da história e os homens têm tolerado bem esse envolver. Ocorre que o processo evolutivo científico esteve inserto num fenômeno social maior, ciência versus mito, que desafiava dogmas relativos e verdades provisórias, mas que, contudo, pela sua própria limitação técnica, era incapaz de desafiar o ?referencial ético-divino?.

A crescente evolução científico-tecnológica que teve início no século passado, é hoje capaz de repetir fenômenos semelhantes aos originariamente produzidos pela natureza, mas que, contudo, não são comuns. A repetição em laboratório de explosões que deram início ao universo, por exemplo, demonstram em que parâmetros a ciência tem evoluído. Num espaço mais pragmático, nossos pares são escolhidos num processo de ?seleção não-natural? e estarão flertando com mortais num período bastante próximo.

As discussões sobre um ?referencial divino? são, atualmente, menos metafísicas que se imaginam. Trata-se de uma afirmação pautada pela perda das qualidades especiais atribuídas aos humanos e a coisificação da espécie. As informações acumuladas sobre o homem possibilitam uma intervenção pontual em toda extensão corpórea. O objeto de investigação científica, amplamente delimitado, permite a relativização da áurea divina em que o homem flutuava. Assim, os arquivos informacionais que apresentam o homem, contribuem para sua desmitificação.

A biotecnologia, por exemplo, produz profundas modificações na própria natureza humana. A construção de um modelo anti-natural da evolução poderá ultrapassar uma etapa decisiva em que as técnicas suplantem os ?acasos da vida?. Os promissores saltos neste campo são assustadores. Terapia gênica, terapia celular, clonagens reprodutivas e clonagens terapêuticas são exemplos de intervenções profundas no desenvolvimento natural e que podem afetar profundamente a questão da diversidade. Apesar das novas alterações não afetarem concretamente a maioria dos indivíduos, os seus riscos são coletivos e imediatos.

Os grandes fundamentos da inquietude investigativa humana seguem os mesmos, contudo, os questionamentos sobre a origem do homem, aparentemente, não são tão irrespondíveis como no passado. A busca pela identificação ?do que é o ser humano? parece encontrar um campo completo de informações prévias nas informações genômicas e na plena identificação das coordenadas topográficas da espécie humana.

Os conhecimentos adquiridos neste campo criam renovadas formas de perceber o homem. Ao mesmo tempo produzem uma espiral infinita que cada vez mais aprofunda as questões investigativas sobre os limites da atuação da ciência sobre o humano. As informações acumuladas, conforme já referido, permitem uma interferência na evolução. A constituição de uma seleção não-natural por intermédio da ação subjetiva permite antecipar ou alterar os desígnios da espécie, porém, nem esta afirmação é de todo completa, como muitas das considerações neste campo.

Independentemente do grau ficcional das questões neste campo investigativo, pode-se perceber que os sujeitos já não mais encontram em sua corporeidade natural elementos para enfrentar o renovado cenário social. Um espaço inóspito à vida concebida nos moldes naturais exige um sujeito adaptado ou capaz de aceitar a limitação da sua existência. A metamorfose por intermédio da ciência ou o mimetismo com base na percepção apurada das auto-limitações produz, no primeiro acaso, uma adaptação permanente e constante sobre o homem, no segundo produz uma camuflagem que busca dar ao sujeito natural uma sobrevida no ambiente inóspito da contemporaneidade.

A emergência de um novo homem, artificialmente evoluído, parece ser a nova dinâmica. Conforme ressaltado por muitos críticos, a hipótese de um grande desastre tecnológico se avizinha e deste erro à possibilidade de uma involução do humano parece estar sendo acentuada. A idéia do pós-humano, neste sentido, é bem aceita num espaço relativamente áspero a um sujeito fraco e sentimentalizado; ?super-homens? apresentam-se, aparentemente, como atores mais preparados para os cenários catastróficos do futuro.

Leonardo Arquimimo de Carvalho

é coordenador do curso de Direito da Faculdade Assis Gurgacz e professor na Academia de Direito das Faculdades do Brasil.

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