Ano do angu

Diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que já nem sabe se o governo Lula, que lhe sucede, é diferente do seu. Tem razão. Não só tem semelhanças como padece do mesmo mal – a pretensão. Lula pretende mudar o mundo. Mas não consegue ser diferente daquilo que o governo anterior também entendia: ser a única saída para os males todos. Agora Lula, cujo partido fazia sistemática oposição ao que aí está, arria as armas e avisa: a política em relação aos estados será a mesma adotada por seu antecessor. “Não há como fazer mágica”, admite.

Talvez uma das poucas diferenças está na obsessão de Lula por comida. Ela ficou evidente desde antes de tomar posse. Seu programa Fome Zero não anda bem, mas continua usando a metáfora para mostrar serviço. Avisa que este é “um ano de comer angu quente”. Talvez o sucedâneo nordestino do “pão e água”, ou do sulista “polenta com leite”, tenha mais condições de exprimir todas as limitações que subjugam planos, idéias e promessas. Tanto angu no prato, entretanto, está transformando a esperança, valorizada em campanha, em desilusão.

Uma das mais fortes acaba de receber o funcionalismo público. A um pedido de 46,95% (os quebrados têm sua explicação), o governo fez teatro para responder com 2,5% lineares ou 4% com desconto das parcelas antecipadas no ano passado. Pegar ou largar: nada menos que seis ministros de Estado na mesa das negociações reforçaram as dificuldades de caixa para os sindicalistas reivindicantes. Uma lástima, disseram estes, embasbacados com a resposta inesperada. Afinal, tanta generosidade não cobre sequer a inflação de janeiro…

O angu do funcionalismo público não será diferente daquele já anunciado para os aposentados (e sobreviventes da ativa com remuneração mínima) à base do salário mínimo. Quem escolheu Lula na esperança de coisa melhor, deve estar arrependido até os cabelos: tinha candidato jurando em público e por escrito dar mais. Ninguém bateu o martelo ainda, mas é quase certo que a novidade não alcançará nem os R$ 240,00 anunciados.

Sem considerar a mudança de discurso com relação às alíquotas do Imposto de Renda e tabelas sem correção, ou, ainda, deixando de lado a prorrogação da CPMF – a provisória contribuição que já fez dez aniversários – tem mais angu na mesa de Lula aos brasileiros e brasileiras esfaimados: os juros na estratosfera, que sufocam a esperança pelo crédito e, pior, pelo emprego prometido como coisa sagrada em clima de desenvolvimento e produção. Nada mais parecido com FHC que ver um Lula dizendo que toda vez que os juros sobem 0,5% (e da última vez foi 1%) ele fica muito angustiado, mas que, nessa conjuntura, não há outra saída. “Logo eu – lembra entre seus angus e sobremesas – que sempre combati a política de juros altos”, que serve aos senhores da especulação, não àqueles da produção e do trabalho.

Nesse contexto franciscano, onde todos são convocados (ou constrangidos) a fazer sacrifícios, só destoam senadores e deputados. Desde o final do ano passado, não fazem nada mais que aumentar jetons, salários, ajudas de custo e verbas indenizatórias. Agora mesmo, e em clima de carnaval, se autoconcederam, de um soco só, mais dez mil reais por mês no contracheque. É que o angu deles é diferente.

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