Análise do sursis processual, frente ao crime de menor potencial ofensivo

A suspensão condicional do processo é um benefício processual previsto no artigo 89 da Lei 9.099/95, o qual transcrevo abaixo, ipsis litteris:

“Art. 89 Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1.º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I- reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II- proibição de freqüentar determinados lugares;

III- proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;

IV- comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2.º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3.º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4.º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5.º Expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6.º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7.º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.” (Lei 9.099/95)

Note-se que no caput do artigo supra citado, faz-se referência aos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o que não se pode confundir com o conceito de crime de menor potencial ofensivo, que se especificava no artigo 61 da lei em comento;

“Art.61 Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.”

(Lei 9.099/95)

Vale salientar, que com a vigência da Lei 10.259 de 12 de julho de 2001, em 13 de janeiro de 2002, devido a vacatio legis prevista em seu artigo 27, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, o crime de menor potencial ofensivo passou a ser aquele em que a pena máxima prevista não seja superior a dois anos conforme o estabelecido no parágrafo único do artigo 2.º, aplicado também aos Juizados Especiais dos Estados:

“Art. 2.º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos à infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.”

(Lei 10.259/2001)

Quanto a aplicação do mencionado conceito na esfera de competência da Justiça Estadual, o entendimento foi consolidado pelo Enunciado 46 emitido pelo Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje), por ocasião do XI Encontro do Fonaje realizado em Brasília no período de 5 a 8 de março/2002:

“Enunciado 46: A Lei n.º 10.259/2001 ampliou a competência dos Juizados Especiais Criminais dos Estados e Distrito Federal para o julgamento de crimes com pena máxima cominada até dois anos, com ou sem cumulação de multa, excetuados aqueles sujeitos a procedimento especial (redação alterada no XI Encontro, em Brasília-DF)”.

(Fonaje)

Esta posição firmada pelo Fonaje, já vinha sendo o entendimento de renomados juristas e doutrinadores, destacando-se a matéria escrita por. Luiz Flávio Gomes, publicada na data de início da vigência da Lei 10.259/01 no caderno Direito e Justiça do Jornal O Estado do Paraná, intitulada “Mais de 100 crimes não admitirão flagrante a partir de hoje“. Salientamos a conceituação do crime de menor potencial ofensivo, porque como observado no caput do já citado artigo 89 da Lei 9.099/95, há a previsão de suspensão condicional do processo para os “crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano“, independente da abrangência da Lei 9.099/95, de onde concluímos que o benefício processual aplicar-se-á não somente no âmbito dos Juizados Especiais, mas em todos os casos em que a sanção do delito capitulado no processo obedeça a este requisito, inclusive nas contravenções penais e em crimes previstos em Leis Especiais.

Ocorre, que seguindo a moderna tendência do direito penal pátrio de despenalização (salvo acalorados discursos politiqueiros que atribuem a violência a falta de penas “exemplares”, cada vez mais rigorosas), de aplicar a melhor exegese em benefício do réu, acreditamos que atendido o princípio da isonomia dentro da própria lei, uma vez sendo pacífico que o crime de menor potencial ofensivo será o que a pena máxima cominada seja de até no máximo dois anos independente da previsão acessória de multa, o benefício da suspensão condicional do processo, deve ser igualmente estendido, sendo concedido nos crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a dois anos, independente da competência do Juizado Especial. Atrevemo-nos ainda, a dizer que, se o presente parágrafo suscitou alguma dúvida na interpretação do artigo 89 da Lei 9.099/95, reforçamos nosso entendimento afirmando a imposição do conhecido princípio: “In dubio pro reo”.

Note-se ainda, que o aludido artigo 89 (lei 9.099/95), trata da pena em abstrato, independendo portanto se a pena prevista é de detenção ou reclusão. Assim sendo, seguindo o entendimento ora exposto seria concedido o benefício processual no crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122,CP) que prevê a pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos se consumado; no crime do artigo 123 do CP, infanticídio, que tem a previsão legal de detenção de 2 (dois) a 6 (seis) anos; no crime de furto especificado no artigo 155 do CP com as qualificadoras do seu parágrafo 4.º, em que a pena será de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa; nos crimes previstos nos artigos: 172, 173, 215 § único, 216 § único, 217, 219, todos do Código Penal, só para citar alguns exemplos.

O Direito, como ciência dinâmica que acreditamos ser, está em constante evolução, sempre tentando acompanhar a evolução da sociedade e os problemas que dela advém, sendo livre a todos a manifestação de pensamentos e opiniões. O estudo aqui apresentado, com a simplicidade acadêmica, não pretende ser verdade absoluta diante de todos, até porque, não estamos tratando de ciência exata, mas é um assunto que pretendemos ver discutido entre nossos juristas e doutrinadores afetos a seara penal e/ou processual penal, sobretudo sob um enfoque constitucional e garantista. Para encerrar, faço uso das palavras do eminente jurista Alexandre Morais da Rosa, Juiz de Direito em exercício na Comarca de Porto União-SC, em palestra proferida na 1.ª Semana Jurídica da Universidade do Contestado (Núcleo de Porto Uniâo) em 26 de outubro de 2001:

Leandro Edvino Berwig da Silva

é bacharelando em Direito pela Universidade do Contestado, em Porto União – SC. E-mail: leandroadriana@hotmail.com

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