Amor e ódio no Maracanã

Imagine que todas as coisas e pessoas que você conhece nessa vida moram dentro de um campo de futebol. Dentro do Maracanã. Mas com um detalhe: todos os lugares, comidas, músicas e pessoas que você gosta muito ou pouco, sente uma simpatia, estima por eles, moram do lado esquerdo do seu Maracanã. Do lado direito vivem todos os lugares, comidas, músicas e pessoas que os seus sentimentos são contrários àqueles dos moradores do lado esquerdo do campo.

Pois bem, mas os moradores do seu campo particular vivem em constante movimentação, principalmente os que moram perto da linha que divide o lado esquerdo do direito. Um exemplo bem típico de morador que vive mudando de lado no coração das pessoas é o do professor, que tem como seus alunos adolescentes. Quer ver só? Quando o professor de Matemática, que dá a última aula na sexta-feira dispensa a turma meia hora mais cedo, ele passa o fim de semana confortavelmente instalado dentro do gol do lado esquerdo, de tão amado que passa a ser. Agora quando esse mesmo mestre marca na sexta seguinte prova para a segunda-feira, o pobre passa sendo xingado o fim de semana inteiro, morando lá dentro do gol do lado direito, de tão odiado!

E assim, tudo o que conhecemos e todos com os quais vivemos ficam muitas vezes de um lado para o outro, sendo ora amados, ora odiados. É certo que muitos têm lugar garantido dentro de um dos gols. Podem aprontar o quanto quiserem que moram definitivamente dentro do gol esquerdo, o lado do coração. Outros, nunca fizeram nada de mal, como o jiló por exemplo, e dentro do campo particular de muitos vive indiscutivelmente dentro do gol do lado direito.

Grande parte da população passa a vida amando ou odiando uma determinada situação ou pessoa, cada vez que ocorre algo que aprecia ou não. Quando o assunto é política, ficamos felizes, muito felizes quando nosso candidato é eleito, e irados quando ele perde. Satisfeitos, se determinada lei é aprovada e inconformados quando aquela medida que parecia ser a solução ideal para um monte de problemas é derrotada por maioria de votos. E assim vamos ao longo do caminho colocando a Democracia ora dentro do gol esquerdo, ora dentro do gol direito. Por vezes parada no meio do campo esquerdo, outras em cima da linha divisória, sem saber muito bem em que lado deve ficar.

Mas mesmo assim, sem ter lugar definido dentro dos nossos corações, é bom saber que vivemos em uma Democracia, pois quando estamos satisfeitos foi porque a maioria pensava como nós. Ou, quando insatisfeitos nos encontramos é porque no momento estamos pensando diferente, só isso.

Vívian Antunes

é professora de História em Brasília.

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