“América latina: navegar impreciso”

Como antecedentes da independência hispano-americana são geralmente apontados os ideais liberais do século XVIII, a independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa e a tomada da península ibérica por Napoleão. O desejo de liberdade na América hispânica foi pensado como resultado da união dos diversos núcleos de colonização espanhola. A irmandade lingüística e cultural contribuía à formação de espaços comuns de reivindicações, ainda, o fato de serem todos expropriados pelo mesmo senhorio tinha efeito semelhante.

No período que antecedeu o Congresso do Panamá de 1826 – marco inicial do desejo latino americano de construir uma liberdade concertada contra os grilhões das metrópoles – alguns expoentes manifestavam suas teorias sobre o assunto, ocasionalmente estas idéias estavam ligadas à própria vontade da Coroa. Tratava-se de um período conturbado em que os países latinos permaneciam lutando por suas independências. A confederação continental encontrava inimigos no Gabinete Imperial no Rio de Janeiro, que servia à Santa Aliança. Em 1826, o Congresso do Panamá pretendia demonstrar aos povos ibero-americanos constituídos por governos livres e Estados independentes, da necessidade de unirem forças para lutar contra inimigos comuns.

Entre 1847 e 1848, ocorreu o Segundo Congresso de Lima. Ali se reuniram os países convidados, contudo sem ratificações posteriores dos acordos, tendo sido criada a Confederação dos Estados. A Monarquia brasileira continuava antagonizando os esforços latino-americanos. Novamente em Lima, 1865, nova fase começa a ser delineada – abandono das idéias confederativas de Bolívar – com o papel fundamental desempenhado pelo argentino Alberdi, e preocupações centradas no comércio, transporte, comunicação e defesa.

O fim da ameaça dos colonizadores instala uma nova fase para a América Latina. Os projetos de união política cedem lugar para as relações intergovernamentais. Seguiram-se a I Conferência Internacional, as Conferências do México em 1901, Rio de Janeiro em 1903, Buenos Aires 1910. Seguiram-se ainda as reuniões de Santiago, em 1923, Havana em 1928, Montevidéu, em 1933, e Lima, em 1938. Neste período, não havia nenhuma disposição dos países americanos de encaminharem uma integração de qualquer natureza. Ademais, as diversas e crescentes propostas de integração política não logravam qualquer resultado concreto, apenas representavam um esforço diplomático de aproximação entres os Estados do Continente americano.

No período posterior a Segunda Guerra Mundial, começaram a surgir novas vertentes interessadas de fato numa integração, não mais do tipo política, mas que pudesse implementar o desenvolvimento econômico entre os países americanos, principalmente entre os Estados latinos. Em 1948, ocorre a Conferência de Bogotá, como a finalidade de promover a solidariedade americana, assegurar a soberania e a cooperação econômica entre os Estados, criara OEA. Em 1957, realizou-se a Conferência Econômica da OEA, na cidade de Buenos Aires, fundamentada nos estudos da CEPAL, que introduziu o conceito de cooperação regional nos anos cinqüenta, baseado num sistema de preferências comerciais como forma de acelerar o desenvolvimento econômico.

As inovações sugeridas resultaram no Tratado de Montevidéu de 1960, que criou a ALALC, objetivando a criação de uma zona de livre comércio e num futuro mais distante um mercado comum, assim eliminando barreiras comerciais, promovendo um melhor aproveitamento dos bens produzidos pelos integrantes do Tratado, estimulando as troca entre os integrantes do bloco. O Tratado era ambicioso e pouco flexível, tendo sido prejudicado pelos governos ditatoriais. No ano de 1980, em Montevidéu, é criada a ALADI; com o retorno de governos civis e da democracia, o continente iniciou de fato sua integração; a ALADI tinha como objetivo o estabelecimento gradual e progressivo de um mercado comum. Assim, apresentava uma relativa flexibilidade e um propósito específico que era o de compatibilizar os acordos bilaterais com o novo acordo. Não se pode olvidar de um elemento importante nesta observação, que se refere à conjuntura recessiva da década perdida para os grandes pivôs do desenvolvimento latino-americano: Argentina, Brasil e México. As crises cambiais, financeiras, monetárias não permitiam uma tranqüilidade que possibilitasse a liberalização do comércio regional e assim uma autêntica integração.

O Programa de Cooperação Econômica (PICE); o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento de 1988 – era a manifestação do desejo de constituir, no prazo máximo de 10 anos, um espaço econômico comum, por meio da liberalização integral do intercâmbio recíproco, para tanto celebraram 24 protocolos específicos, em diversas áreas -; além do Estatuto das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas de 1990, e do Acordo de Complementação Econômica-ACE-14 que regulou as relações econômicas sociais entre Brasil e Argentina de 1991/1994. Ainda, o Tratado de Assunção de 1991, visando a constituição do Mercado Comum do Cone Sul, seguido do Protocolo de Brasília de 1991, da Carta de Canela de 1992, do Cronograma de Las Leñas de 1992, e do Protocolo de Ouro Preto de 1994, dentre outros. No ambiente latino-americano são criados a CARICOM em 1989; o Mercado Comum Centro Americano (MCCA) e o Plano de Ação Econômico da América Central (PAECA) de 1990 que reúne Panamá, Costa Rica, Honduras, Guatemala, El Salvador, Nicarágua; e o Grupo Andino de 1991, que possui uma zona de livre comércio desde 1992, formado por Peru, Colômbia, Equador, Bolívia, e Venezuela. A `Iniciativa para as Américas’ assinado em Washington em 1991 -Jardim das Rosas ou 4+1, iniciativa de Bush(Pai) -, demonstrou que os norte-americano abandonaram em definitivo o posicionamento isolacionista em função do desejo de comandar os destinos latino-americanos (ALCA e North American Free Trade Agreement).

As frustrações coletivas novamente assombram o continente latino. Instabilidade econômica, instabilidade política, desemprego, estagnação, caos social, violência e narcotráfico. O otimismo histórico foi novamente derrubado, a democracia política, as reformas econômicas e a integração regional, apontados como promessas de uma novo período decepcionaram. A magia neoliberal do Consenso de Washington vulnerabilizou em definitivo a economia latina, e a dependência do capital externo promove mais desigualdade. Os organismos responsáveis pelo apoio financeiro internacional ignoram os conclames de apoio. A manutenção da legalidade e do Estado Democrático de Direito é uma falácia nalguns Estados latinos e a integração é observada com um processo dispensável, salvar a própria economia é a regra de sobrevivência.

Os problemas com a `narcoguerrilha marxista’ na Colômbia, os déficits democráticos no Peru e as privatizações, o eminente golpe político no Paraguai, o caos econômico-político na Argentina, a instabilidade política na Venezuela, a retração econômica no México, a crise econômica no Uruguai, a miséria na Bolívia, as dificuldades sociais e econômicas no Chile e Equador, e a fragilidade da economia no Brasil, são todas demonstração de que os problemas seguem insolúveis. Pessimismo? Não, pragmatismo histórico.

Leonardo Arquimimo de Carvalho

é coordenador do Curso de Direito das Faculdades Assis Gurgacz. Professor na Academia de Direito das Faculdades do Brasil (UNIBRASIL-Curitiba).

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