Amarga ilusão

Sentado à mesa de um restaurante universitário em cidade do interior paulista, escutei elogios a Curitiba de vários mestrandos e doutorandos, demonstrando o quanto a admiravam. Procurei saber o que mais lhes chamou a atenção na cidade. Um olhou para o outro e outro para um… Nenhuma resposta. Silêncio. Apenas o burburinho de conversas paralelas e talheres pelo amplo refeitório. Ninguém conhecia nossa cidade.

O conhecimento que possuíam se baseava na propaganda enganosa plantada na década de 90 pelo prefeito Rafael Greca de Macedo e que levou milhares de pessoas para a capital paranaense com a garantia de futuro promissor. Acariciados sonhos que se transformaram em real desilusão.

Os colegas ficaram estupefatos quando lhes apresentei relato da crescente insegurança e aumento da violência. Não no trânsito! Curitiba sempre foi conhecida como a cidade dos “barbeiros”. As novidades – para eles – são os assaltos a banco, assassinatos, latrocínios, estupros, tráfico de drogas, furtos, presença de gangues nas escolas, flanelinhas extorquindo motoristas, brigas entre torcidas organizadas, rachas entre filhinhos-de-papai no Batel, movimentos neonazistas, soberba da classe dominante, políticos inescrupulosos, etc.

Depois desta lista o leitor pode imaginar que serei defenestrado pela Câmara Municipal por “sujar” essa pseudo-imagem no “exterior”, recebendo moção de desagravo, censura. Não estou aqui para fazer média com político, nem com o público leitor, tampouco com o jornalista Luigi Poniwass, talento da nova geração. O pensamento deles pouco interessa. O que importa são seus atos.

A verdade é que Curitiba se moldou boa para os tradicionais da terra, como eu. Entretanto, reconheço e contemplo o sofrimento de quem chegou atrasado à festa e sequer conseguiu um docinho. Temos de ser realistas e admitir a urgência em solucionar essas questões que mais tarde nos atingirão de forma intensa e direta.

Durante mais de três décadas residi em casa, com terreno, área de lazer, ampla garagem, conforto. Inseguro, tratei de adquirir um apartamento, de preferência no último andar, com porteiro noite e dia e que se situasse próximo à escola dos filhos e ao trabalho da mulher. Por fim, vim para a Grande Campinas a convite de uma universidade. Por quê? Porque não há mais tranqüilidade. Necessitamos de paz. A cidade se transformou num inferno: violenta, trânsito louco, leis restritivas, impostos opressivos, elevado custo de vida, injusta, agitada, estressante. Resumindo: Curitiba caminha para o título de “cidade psicótica”, depressiva, apesar da aparente prosperidade. A reação do público leitor ao artigo de Poniwass reflete essa doença ilusória de que tudo está bem.

Na fila de um banco, em Curitiba, escutei uma jovem reclamar da frieza curitibana para com os forasteiros. Pelo sotaque, achei que fosse carioca.

Tagarelava que em Curitiba só os ricos vivem bem. Respondam-me, então:

Em que lugar do mundo rico vive mal? Ignorância, carioquice. Não há dúvida que a capital paranaense é boa… para a classe média-alta e os bem-nascidos, é claro! Linda Curitiba, no Jardim Social, Guabirotuba, Batel, Mercês, Santa Felicidade, Jardim Botânico, Pilarzinho, Juvevê, Água Verde, Champagnat, Cabral, Schaffer (apesar dos rotulados córregos)… Mas, e Vila da Ordem, Solitude, Trindade, Fazendinha, Centenário, Barigüi, Conquista, Oficinas e Vila das Torres (ex-Vila Pinto), mais os afamados Zumbi dos Palmares e Weisópolis, são próprios e decentes para os cidadãos?

Tire um tempinho com a família e realize um tour pela periferia da capital.

Se você acredita que favela e miséria são coisas de Rio e São Paulo e intriga da oposição, engana-se. Sinta a realidade que nos cerca e ameaça.

Perceba o problemão criado pelas administrações municipais anteriores, papagaiando aos quatro ventos que Curitiba estava entre as três melhores cidades do planeta… Só pode ser Marte! Curitiba não se encontra nem entre as trinta melhores dos países subdesenvolvidos. Foi pretensão e prepotência.

Sonho ambicioso convertido em pesadelo diário e real. A situação curitibana é pior que a do Grêmio a caminho da segunda divisão. E vem aí o favelamento vertical da cidade, semelhante ao que já ocorre nas grandes metrópoles, trazendo consigo como conseqüência o esvaziamento do Centro e a diminuição da atividade comercial nessa zona, obrigando as empresas e lojas a se instalarem nos bairros. Desesperados, os dirigentes municipais – Prefeitura e Câmara – partiram para o tudo ou nada. Caminham rumo ao desconhecido contando o tique-taque do relógio e torcendo, ao mesmo tempo, que os maiorais da esfera federal não enterrem de vez as esperanças, caso contrário, a tempestade que toma forma no horizonte alcançará a todos.

Ruben Holdorf

é jornalista e professor da Unasp.

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