Além das manchetes

“O mês de Ramadã foi o mês em que foi revelado o Alcorão (…). Por conseguinte, quem de vós presenciar o novilúnio desse mês, deverá jejuar (…). Deus vos deseja a comodidade e não a dificuldade, mas cumpri o número de dias e glorificai a Deus por ter-vos orientado, a fim de que Lhe agradeçais.” Al?Quran Al?Karim, 2:183-185.

A comunidade islâmica mundial, constituída por aproximadamente 1,5 bilhão de almas, viveu nos últimos 30 dias um período muito especial. Chega ao fim o mês de Ramadã, o nono do calendário islâmico, que este ano coincide com os meses de novembro e dezembro no calendário cristão. Durante 30 dias, os muçulmanos jejuaram do alvorecer ao pôr-do-sol, procuraram evitar palavras ofensivas, o embate físico e os pensamentos ilícitos, exercitaram a meditação e as orações, encontraram-se com mais freqüência nas mesquitas para rezar coletivamente. A rotina diária das famílias mudou, pois a falta do alimento durante as horas claras do dia claro exigiu uma readequação de atividades.

Chegamos ao final do mês de Ar?Ramadã Al?Karim, que em árabe significa “O Ramadã Generoso”. Dizemos que este mês sagrado é generoso porque muitas são as lições que nos são ensinadas durante esse período. O líder espiritual da comunidade islâmica curitibana, sheikh Muhammad Khalil, qualifica-o de al?mustashfa ar?ruh, ou seja, “o hospital do espírito”.

Muitos são os ensinamentos aprendidos e as curas alcançadas neste mês. A começar pela valorização do alimento, uma dádiva de Deus Altíssimo, à qual nem sempre damos a devida importância. Acostumados com a mesa farta, com as facilidades e a variedade que nos é oferecida, esquecemo-nos que o alimento nos é dado com a permissão e o consentimento d?Aquele que é o criador de todas as coisas.

Mais do que isso, esquecemo-nos, na ânsia de nos saciar, daqueles que têm na fome sua companheira diária. Esquecemo-nos daqueles a quem esse direito sagrado, concedido pelo Clemente e Misericordioso, foi negado, negado pelo próprio homem que, debaixo de sua arrogância, soberba, ganância e ignorância, julga-se autoridade suficiente para revogar aquilo que Deus Altíssimo outorgou a toda a humanidade.

O jejum do Ramadã simboliza o primado do espírito sobre a matéria, estabelecendo uma distância enorme entre a humanidade e o restante da criação. Ele conduz novamente o ser humano à condição de a mais elevada das criaturas. Afinal, só a ele é dada a faculdade de negar conscientemente o alimento, mesmo quando o organismo clama. Essa experiência significa a derrota dos desejos e paixões animais pelo domínio pleno da vontade racional, divinamente inspirada.

Durante esse mês sagrado, os muçulmanos também aprendem a humildade. Ricos e pobres, poderosos e fracos, empresários e operários, governantes e governados, todos irmanam-se na fome e na sede, percebendo na necessidade comum do alimento e da água que todos somos iguais, que temos as mesmas fraquezas, deficiências e necessidades, mas que podemos, pela força de vontade e com o auxílio de Deus Altíssimo, vencê-las.

O mês de o Ramadã Al?Karim nos ensina que desperdiçamos. Conduz-nos, portanto, à atenção ao dispêndio. Mostra-nos que o comedimento no alimentar-se e no beber não prejudica nosso desempenho intelectual e físico. Faz-nos perceber, do contrário, que se ingerirmos menos alimento, beneficiamos o organismo, evitando o sobre peso e todos os problemas de saúde daí originados. Além disso, ao evitar o desperdício, prestamos um tributo àqueles que não têm o que comer.

E, mais importante, o mês de Ramadã nos aproxima de Deus. Nossos pensamentos e ações voltam-se a Ele que, do alto de sua infinita bondade, clemência e misericórdia, prescreveu aos seres humanos o cumprimento desse dever. Elevamos nossos pensamentos e ações Àquele que é a origem e o retorno de toda a criação. Que observa nossos atos e conhece o que vai pela nossa mente. Que premia os justos e pune severamente os iníquos.

Entendemos que esses ensinamentos não devem ficar restritos. É desejo da comunidade islâmica mundial compartilhar essas experiências maravilhosas com toda a humanidade. Temos a lamentar, somente, que num momento tão sublime, o ocidente tenha olhos e ouvidos apenas para mensagens negativas, acusações indevidas e imprecações contra o Islã. Nesse ponto, o Ramadã nos reserva outra importante lição: a de que o Islã vai muito além das manchetes.

Omar Nasser Filho

é jornalista e membro da Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná.

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