Água e cidadania: a força que vem das escolas

Depois da Segunda Guerra Mundial, o crescimento das forças produtivas, institucionalizado pelo progresso científico e técnico, gerou tentativas de emancipação da natureza. Diante das possibilidades de escassez de energia fóssil, por exemplo, a resposta foi a tecnologia atômica; no plano das matérias-primas, técnica e ciência se concentram nas transformações físicas e químicas da produção industrial; na agronomia, os métodos tradicionais de criação de animais e plantas, por meio da tecnologia genética, tendem a ser substituídos por intervenções diretas no material biológico, como afirmam Bernardes e Ferreira (2003) no livro A questão ambiental: diferentes abordagens. “Não há motivo para duvidar da nossa atual capacidade de destruir toda a vida orgânica na Terra.” (Arendt, 1997, p. 11)

No documento final da Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento Sustentável ocorrido em Paris em 1998, já era observado que: “A quarta parte da população mundial não tem acesso a água potável, mais da metade da população mundial carece de um saneamento adequado, a baixa qualidade da água e a falta de higiene figuram entre as principais causas de enfermidade e morte, as inundações e as secas, a pobreza, a contaminação, o tratamento inadequado dos rejeitos e a insuficiência de infra-estrutura representam sérias ameaças ao desenvolvimento econômico e social, à saúde humana, à segurança alimentar mundial e ao meio ambiente”, como relatou Elmo Rodrigues da Silva (1998), em sua tese de doutorado sobre O curso da água na história: simbologia, moralidade e a gestão de recursos hídricos.

A pobreza e a falta de saneamento básico são responsáveis, nos países em desenvolvimento, pelo óbito de uma criança a cada 10 segundos em conseqüência de doenças evitáveis caso a água fosse tratada, totalizando 10 milhões de óbitos a cada ano. Hoje, mais de 25% da população não têm acesso à água potável e um percentual maior não possui rede de esgotos. A má distribuição de água é igualmente responsável por 80% das doenças e 33% dos óbitos, as doenças de veiculação hídrica são causadoras de 65% das internações hospitalares e de 80% das consultas médicas. (Silva, 1998)

Com a questão ambiental, surgida após a Segunda Guerra Mundial, a ciência e a tecnologia passaram a ser questionadas, pois quanto mais poderosa é a maquinaria, mais riscos ela provoca para a vida humana. A partir dos anos 70, ONGs (organizações não-governamentais) como o Greenpeace, maior organização ambiental do mundo, passaram a criticar a estrutura do capitalismo. Surgiram diversas correntes: a corrente Anarquista, baseada nos ensinamentos do russo Kropotkin; a corrente Ecologia profunda, que questiona se a sociedade precisa consumir tantos recursos naturais; a corrente Ecossocialista, que articula os ensinamentos de Marx com argumentos anarquistas de Kropotkin e que defende a organização de núcleos regionais autônomos, a diversidade cultural e a criação de comunidades auto-sustentáveis. (Bernardes; Ferreira, 2003)

No Brasil, o movimento ecológico ocorreu em três períodos: ambientalista, de 1974 a 1981; de transição, de 1982 a 1985, e a terceira fase, a partir de 1986. “O que falta, além de maior conscientização por parte das elites e do poder público, é uma penetração mais ampla da preocupação ecológica nas classes mais populares”(Viola (1987). A população não tem poder sobre a organização da economia e do uso do espaço (Minc, 1987). A saída apontada por Milton Santos (2000) é “a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana”. A salvação do planeta brotará da mudança das relações entre as pessoas, a partir da prática de uma inteligência crítica que, especialmente na escola, descobre as reais formas de organização política da vida e que estabelece novas bases de cooperação. (Bernardes; Ferreira, 2003)

Mauro Guimarães (2000) aponta uma concepção crítica de Educação Ambiental: “o ensino se abre para a comunidade com seus problemas sociais e ambientais sendo estes os conteúdos do trabalho pedagógico. Como os educadores vão inscrever o sentido de sua ação, posicionando-se como educador (a) e como cidadão (a), sua intervenção não é estritamente pedagógica, mas política.” No entanto, é preciso saber unir o que foi separado em disciplinas escolares e ter uma visão do complexo ecológico.

Os autores que tratam da educação ambiental estão de acordo num ponto: que o sentido de educar ambientalmente vai além do ato de sensibilizar a população para o problema. A sugestão de Guimarães (2003) é a mobilização, o pôr a ação em movimento, incorporar (razão e emoção) à questão ambiental no cotidiano.

Nesse processo, educandos e educadores se transformam, se educam se conscientizam. Como e o que fazer? Ai está a grande força das escolas: não há respostas, a intervenção na realidade é coletiva e específica; seu conteúdo está na realidade socioambiental em busca da sustentabilidade. Desse modo, na escassez ou na abundância, a água se torna elo de cidadania.

Zélia Maria Bonamigo

é jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (
zeliabonamigo@uol.com.br).

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