Afinal, para onde e ?como vai? o pensamento jurídico?

Será melhor que se corrija o modo de construir a Ciência do Direito, antes que esta se degenere numa sorte de mortificação espiritual. Ainda hoje a formação jurídica e, por conseqüência, a própria argumentação jurídica parece estar assentada sobre o anátema de uma razão absoluta, que advém desde o Iluminismo. No limiar deste século, continua-se trabalhando sobre o problema situado numa contraposição entre uma concepção normativa (idealista) e a casuístico-pragmática. Estabelecer uma formação jurídica com base numas disposições jurídicas, textos ou princípios, possibilitadores tão-só da realização de um controle sobre a elaboração conceptual e dogmática dos fundamentos de uma sentença, por exemplo, mas não só da sentença! Um tal controle exige, sobremaneira, uma neutralidade hermenêutica que veta ao intérprete remontar à instância metajurídica, ética, social, econômica e, para além. Limita a tais, à realização de uma interpretação objetiva das valorações normativas em desconsideração ao fato de que essa instância metajurídica também integra a própria ordem jurídica. Essa limitação às valorações objetivas normativas tem condicionado operadores práticos do direito e juristas a um dos dualismos mais evidentes da modernidade. Com base nesse dualismo não só é mantida uma postura ingênua por tais agentes do direito e juristas a respeito da segurança jurídica, que triunfa numa dogmática irrefletida, como também, é promovida uma negação do desenvolvimento e do aperfeiçoamento da Ciência Jurídica. Indubitavelmente, esse dualismo é um fundo teórico artificioso, sobre o solo das leis, que restam livres para ?operar?. Em alguns casos, e de modo particular e privilegiado, torna-se possível o reconhecimento na fundamentação e na justificação, da coesão ou não, entre a motivação jurídica e a pré-compreensão do operador (e, mesmo dos juristas) em peças jurídicas práticas. Essa coesão pode, inclusive, ser reconhecida pela cumulação de argumentos heterógenos, pelo pretextar de uns princípios que proíbem a revelação do direito na afirmação formal de uma convicção meramente formal conciliada não raras vezes com fatores alhures. Isso significa não pretender uma valoração jurídica verdadeira, porém, só um valor jurídico de plausibilidade, ainda que esse valor plausível ou meramente concludente não se esclareça. Afinal, a plausibilidade passa a ser apenas o predicado das premissas, que assume um qualificativo resolutório correspondente à tensão (dual) problemática. É o revestimento discursivo da peças processuais que se apresenta como resolutório. Nesse caso, operadores do direito e juristas que determinam a formação dos argumentos jurídicos pelo emprego de argumentos de maneira puramente formal devem, honradamente, admitir, por uma parte, que, se uma opinião (do grego), só pode ser justificada com base num consenso formal, por outra parte, com isso só se consegue uma formação de muitos estereótipos e metáforas na argumentação prática. É ignorada, assim, a pretensão existente a partir do dito que se oculta na pretensão tradicional da propugnada ?clareza?. Sem dúvida, assim é exercida uma atividade jurídica contemplativa, que não produz uma real segurança jurídica. Uma objetividade jurídica, portanto, não pode ser obtida em torno de uma racionalidade tão ?pura?, cuja ?pureza? se torna tão estéril, que não se aperfeiçoa, nem se desenvolve a Ciência Jurídica. Uma objetividade resta deformada quando, quer no âmbito forense, quer no âmbito científico (Jurisprudência), recorre-se somente ao positivismo legal remanescente (muitas vezes inconsciente). Uma postura, assim, é lamentável, porque a norma jurídica não é pretextada no texto legal, nem ao menos é técnica a ser aplicada. Logo, objetividade e racionalidade não estão pretextadas, mas se encontram, antes, no mundo circundante, no mundo da vida, no mundo da natureza das coisas! (Quiçá seja o prenúncio de um tornar ao direito natural). Num Estado Democrático de Direito o resultado da ?concretização? das normas jurídicas não pode ser claro só na sua tendência, mas especialmente deve ser nos elementos da qualidade da argumentação jurídica como há de bem suceder nas condições jurídico-teoréticos estatais e constitucionais compromissadas com a formação jurídica. Nesse sentido, a objetividade/racionalidade vêm a ser indicadas como determinação objetiva, sim, da jurisprudência a partir de um modelo dinâmico de estruturação da própria norma, mas não só apoiada na técnica, mas num ethos. Caso se prossiga com um formalismo inconsciente, a objetividade e a racionalidade poderão ser comparadas a um irracionalismo válido, pois todo pensamento operacional não parece irracional. E, se praticamente tudo depende de uma formação (da argumentação jurídica), que deve ser norteada por um ethos prático, deve-se, então, perguntar especialmente sobre os fins a se perseguir e sobre o como encontrar os meios mais justos. Assim, ao invés de a reflexão emergir a respeito da pergunta ?para onde isso vai?? (porque essa pergunta tem o mesmo fundamento objetivo que a própria forma retórica clássica, porque ?a racionalidade do perguntado tem sempre a racionalidade do objetivo?), a pergunta deve surgir, sim, sobre o como tem sido realizada uma formação jurídica e uma formação da argumentação jurídica em sua fundamentação. É uma questão de auto-responsabilidade!

Kelly Susane Alflen é advogada, professora de Hermenêutica Jurídica e Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Luterana do Brasil, membro do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Universidade do Porto-Portugal, membro da Legal Framework for the Information Society, Rede Lefis Européia Zaragoza, membro da Associação Portuguesa de Direito Intelecual em Lisboa, Portugal, membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, autora de Hermenéutica Jurídica y Concreción Judicial, pela Colômbia (Bogotá).

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