Recebemos: “É com dupla satisfação que lemos semanalmente seus escritos no caderno Direito e Justiça, do jornal O Estado do Paraná. Uma verdadeira tribuna da advocacia, em defesa do direito de defesa.

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Invoco isonomia, pois escrevo esta carta não como seu pai, mas como colega de profissão para narrar algo ocorrido comigo e com meu neto Samir, quando juntos fazíamos uma defesa perante o Tribunal do Júri da Comarca da Lapa, no último dia 20 de novembro.

O caso era daqueles rumorosos para a pacata cidade. A vítima, uma pessoa benquista e de uma tradicional família local. Os acusados eram a própria filha da vítima e seu convivente.

A filha já tinha sido condenada em julgamento anterior. Restava o julgamento do genro. Aliás, era o quarto júri que se realizava do mesmo acusado, tendo os outros três anteriores sido anulados pelo TJPR.

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Dia do julgamento, clima tenso, “casa cheia”, rito já pelas linhas da nova lei, uma promotora eloqüente e muito bem preparada, predisposta a pedir a pena máxima. Uma juíza presidente, que me permito chamar de nova, pois provinda de um dos últimos concursos para a magistratura (ressalvo que do alto dos meus setenta e nove anos de idade, todos são novos…).

A defesa estava trabalhando arduamente neste caso, tanto que é raridade (talvez até algo inédito) uma pessoa ser levada a julgamento pelo júri pela quarta vez. Portanto, a defesa estava muito bem preparada para o embate!

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Achei estranho quando formulei um primeiro encaminhamento para a presidência e usei termos rotineiros: “excelência, pela ordem…” a juíza disse algo como: “que pela ordem? Aqui está tudo em ordem!” Ponderei que era um termo respeitoso e usual em julgamentos e cerimônias orais e requeri que constasse em ata (indeferido).

Daí, para frente, na minha concepção, todos os espaços legais da defesa foram tolhidos de forma escancarada. Restava-me olhar para os jurados e balançar a cabeça em gestos de reprovação e protesto, a cada embate com a jovem juíza.

De uma altura em diante, quase fui proibido de balançar a cabeça (em movimento de negação). Para resumir alguns dos absurdos, a presidência deferiu “acareação” entre informantes (não compromissados), não presenciais…

A defesa não aparteou a acusação em nenhum momento de suas falas… Quando foi dada a palavra para a defesa treplicar, pretendi falar antes do meu neto e, após rápidas saudações, olhei para os jurados e, em linguagem prosaica: “aqui, estão acontecendo coisas do arco da velha…”

A juíza interrompeu-me, a pedido da promotora, dizendo que a defesa “não poderia falar essas coisas” (pensaram que as ofendi chamando de velhas?). Retomando a palavra, na segunda frase da defesa, na tréplica, disse aos jurados que “não se pode confundir justiça com vingança…”

Novamente a juíza interrompeu a defesa dizendo que “não poderia falar essas coisas”, ao que a defesa ponderou em tom jocoso: “Então o que é que pode falar excelência?” Ato contínuo, pedi respeito aos espaços da defesa e ao livre exercício da nossa profissão, quando tive a palavra cassada e determinado, pela juíza, para que dois oficiais de justiça me retirassem do plenário…

Naquele instante, eu e meu neto nos retiramos interrompendo o julgamento (sob prantos do acusado que estava inseguro e amedrontado clamando: “tenho filhos, tenho filhos…”). Alguns minutos após, a juíza mandou prosseguir o julgamento com retorno da defesa e ânimos mais serenados. Resultado: o acusado foi absolvido!

Aliás, nada mais prazeroso que ver aquela juíza pronunciar tal veredicto absolutório e a expressão de alegria dos jurados… Queremos um desagravo por termos sido ofendidos no livre exercício da profissão. Qual a sua opinião? Elias Assad”.

Abro o espaço solicitado pelo colega e também com um incontido orgulho de filho. Parodiando os meteorologistas, tenho um pai com setenta e nove anos, mas com “sensação térmica” de quarenta. Sinceramente, acho desnecessário o desagravo.

A sociedade paranaense, pelo seu Corpo de Jurados da Lapa, após tudo presenciar e avaliar, fez isto da forma mais contundente e genuína, acolhendo a tese da defesa e absolvendo o acusado…

Com todo o respeito, pelo que o conheço desde a metade do século passado, com o detalhe de três júris anulados e a absolvição no caso narrado, o senhor também não deve ter dado nenhuma folga para a juíza e promotora… Devo minha profissão aos seus exemplos! Obrigado por tudo… No dizer de Mauro Viotto: “Advogar não foi feito para quem tem espinha mole”.

Elias Mattar Assad é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. abrac@abrac.adv.br