Advertência explícita

“Eu não quero saber se é de direita ou de esquerda, branco ou preto, magro ou alto, evangélico ou ateu: quero saber quem está disposto a ajudar.” Para mudar este País, “temos que juntar todos os homens e mulheres de bem”. O apelo é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi pronunciado sobre um tablado armado dentro de uma favela. Aparentemente, apenas um apelo. Constitui, entretanto, séria advertência à militância petista que aplaudia, ministro após ministro apresentado como “companheiro”, os integrantes da caravana da fome, mas vaiou o prefeito anfitrião Firmino Filho, de Teresina. Um pequeno detalhe: o prefeito é do PSDB.

No meio da miséria de Zumbi dos Palmares, revela-se, assim, com a força da simbólica visita presidencial, outra miséria humana: a da intolerância e da falta de respeito, sem falar na falta de educação. O presidente, conhecido por sua capacidade de improvisação, saiu-se muito bem, chamando a atenção para o fato de que ele, agora eleito, governa para todos, não apenas para os que ostentam a estrela vermelha ou passaram a carregá-la como uma espécie de amuleto. Essa pode ter sido a primeira grande lição explícita da caravana da fome que será lembrada para o resto do governo.

Com efeito, o projeto de combate à fome só logrará sucesso se forem vencidas, além das promessas presidenciais de três refeições diárias (“não tem nada mais sagrado do que a gente tomar café da manhã, almoçar e jantar todo dia e ir dormir com o bucho cheio”), outros preconceitos que, sem dúvida, contribuem para a formação do brutal quadro das diferenças sociais brasileiras. O presidente Lula entre favelados e excluídos, além de distribuir a esperança, lembra as bíblicas passagens de Cristo que, com duas palavras dirigia-se à turba, com outras dez tinha que desmontar peçonhentas armadilhas dos comandantes da política de seu tempo.

Faz sentido sua fala àqueles com os quais diz identificar uma parte de sua vida de retirante. Tratar dos direitos humanos “não é apenas cuidar da violência”. Assim, é preciso fazer ver ao mundo que a fome e a miséria devem ser encarados “como uma questão de direitos humanos”. Mas à revolução pregada por Lula em sua posse deve começar em casa, nas famílias. Ele pregou a necessidade de mais responsabilidade por parte daqueles que colocam filhos no mundo sem se importar com as possibilidades de criação. “É preciso melhorar os compromissos morais e éticos de alguns homens neste País”, disse, ao perceber mulheres sozinhas, como sua mãe, carregadas de filhos e de problemas.

Tirando os momentos que poderiam ser considerados hilários (como aquele do chanceler Celso Amorim, que se disse familiarizado com a miséria da favela pelo fato de, quando estudante, ter sido assistente de um filme rodado numa delas), a caravana da fome deverá produzir efeitos não apenas para a imagem do governo. “Agora sou presidente e não tenho de prometer: tenho de fazer”, observou o presidente Lula num de seus improvisos. E é isso que o Brasil dos pobres, ricos e remediados espera. Os primeiros, com muito mais razão, mas não com menor sofreguidão que os demais. De qualquer credo, profissão, partido ou cor. Pois nada justifica vaias contra pessoas de boa vontade. Eis a lição de Lula aos favelados morais sem direito a caravanas.

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