Advertência está feita

Temos de gerar emprego e cidadania lá no Nordeste, caso contrário continuaremos a andar de carro blindado, disse o ministro da Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano, durante o recente encontro realizado com empresários em São Paulo para celebrar o apoio do setor privado ao programa Fome Zero, carro-chefe da ação social do governo Lula da Silva. Por mais que tenha tentado justificar depois, o estrago estava feito: nordestinos são assim outra vez associados a um dos principais problemas brasileiros – a falta de segurança que grassa nas cidades, inchadas pelo fenômeno constante das migrações internas – e isso não deixa de ser um preconceito.

Mas se o pedido de desculpa de Graziano, realizado logo a seguir, pode ser aceito com bastante naturalidade (afinal, nenhum nordestino, a começar pelo mais ilustre retirante – o presidente Lula – levantou a voz porque entendeu que se tratava apenas de um exemplo) o que disse no mesmo encontro o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Horácio Piva, é muito mais grave. Piva, sem fazer qualquer espécie de ressalva, se disse preocupado com “os espoliadores eternos dos programas humanitários” e advertiu que “a burocracia e a corrupção já se estão preparando para retirar para si a maior parte dos benefícios do programa”.

Que Piva tenha se valido de uma mera figura de linguagem, é tudo o que se espera. Caso contrário, teremos, a partir daqui, de colocar barbas e carteiras de molho e começar mesmo a remar contra a maré da boa-vontade despertada com tanto entusiasmo pelo presidente da República em seus mais importantes pronunciamentos e feitos até aqui realizados.

É histórica a boa-vontade do povo brasileiro. Em passado recente, muitas campanhas de doação foram organizadas com enorme sucesso, quase todas superando mesmo as expectativas de seus idealizadores. Não se pode dizer o mesmo da parte que compete ao governo ou, como prefere Piva, da “eficiência da implementação de políticas públicas sociais”. Como num enorme labirinto, os recursos, quando em dinheiro, mal chegam ao destino final, nutrindo uma intrincada estrutura sanguessuga; quando em gêneros e víveres, não raro deterioram-se no caminho antes de chegar aos miseráveis ou necessitados.

Tanto uma como a outra, as advertências de Graziano e Piva devem ser entendidas com desassombro e levadas em devida conta. Não por serem nordestinos, mas por serem migrantes, os filhos da fome constituem – aqui e em qualquer parte do mundo – fator de preocupação e insegurança. Basta lançar olhos a um dos principais problemas que afligem importantes países do Velho Mundo. Por qual motivo um extracomunitário seria diferente aqui entre nós? Da mesma forma, não por ser do PT, mas por ser governo, a estrutura burocrática que se ocupa dos programas sociais precisa ser vigiada com rédea curta. Para que não se repita com o Fome Zero a histórica voragem de recursos que a nação, generosamente, tem destinado a programas sociais no Nordeste, frustrando outra vez, assim, um tão nobre objetivo.

O que não dá para aceitar (nem levar a sério), entretanto, é o pedido feito por Graziano, de que as pessoas não façam doações de pequena monta ou baixo valor. Ora, cada um dá o que pode e quer. Aquilo que para Graziano possa parecer pequeno, para quem dá pode ter valor enorme. Além disso, como diz o velho jargão popular – outra advertência a ser obrigatoriamente considerada! -, o valor de uma sincera doação está no gesto.

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