Acinte aos velhos

Quantos velhinhos acima de 90 anos vivem ou sobrevivem no Brasil das maravilhas? Pelo que diz o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, seriam exatos 105.892. Mas o instituto que paga benefícios e recolhe contribuições desconfia que muitas dessas pessoas já foram desligadas deste mundo e, para não pagar quem já morreu, decidiu colocar em prática a coisa mais simples que poderia fazer: cancelou todo e qualquer pagamento de aposentadorias e pensões a cidadãos com mais de 90 anos. Até segunda ordem.

Para receber, velhinhos e velhinhas deveriam sair de casa, da cama ou do hospital, e comparecer num guichê do instituto para dizer: sim, estou vivo ainda, graças a Deus e a vocês. Mas, por favor, dêem-me a grana para comprar minha aspirina, não me deixem morrer à míngua.

Houve óbvios protestos contra a ordem baixada, mas, como sempre acontece, a burocracia é surda. Inventou histórias para acomodar situações extremadas. Velhinho que não puder comparecer no guichê tem que mandar um representante (de preferência com procuração recente passada em cartório e com firma autenticada) para… solicitar a presença de um funcionário. Onde? Na casa, no hospital, no reformatório. Afinal, é preciso ter certeza de que o velhinho aposentado ou pensionista está ainda neste mundo. Somente depois de vencida a maratona da comprovação da vida, o pagamento seria liberado.

A absurda situação estava quase causando uma comoção nacional. Quem, afinal, ficaria do lado da burocracia (por mais nobres que fossem os objetivos da medida) numa situação dessas? E mesmo a despeito do escancaramento dos fatos através da mídia, Brasília mantinha-se firme em seu propósito moralizador: tem velhinho que já foi para o outro mundo e ainda está tirando proveito deste. Ou, melhor, tem gente tirando proveito de velhinho morto. Um despropósito a vivos e a mortos. Comprovam isso os dados da Funasa – Fundação Nacional de Saúde. Muitos segurados que estão na base de dados da Previdência Social recebendo benefícios, lá estão identificados como mortos.

O que seria simples de resolver, tornou-se assim complicado de explicar. Esperteza de parentes vivos? Simples falha dos cartórios, que não estariam comunicando à Previdência os falecimentos todos? Mas por qual motivo um bloqueio total sem pré-aviso? Que o diga Benedito Alberto Brunca, diretor de benefícios do INSS, destacado para tentar explicar à nação, através da imprensa, as razões da antipática medida. Até que o ministro da Previdência em pessoa, Ricardo Berzoini, resolveu pacificar a questão, por ele, também em pessoa, antes conturbada. Subitamente tomado pelo bom-senso, deu a contra-ordem e recolocou à disposição dos velhinhos o dinheiro que lhes é devido sem maiores exigências.

Neste Brasil às vezes surrealista ainda se cultiva um péssimo hábito. Todo mundo é culpado até provar inocência. No presente caso, seria muito mais fácil e simples controlar (afinal, a informática está aí para isso) os cartórios que ganham dinheiro fácil com o trâmite de tantos papéis inúteis, sem molestar pessoas no fim da linha da existência. Se os cartórios passassem a fazer a lição de casa como devem, estaríamos livres da suspeita e o INSS poderia ter a certeza de que nenhuma “Jorgina” sexagenária duraria mais que o necessário. Ainda dá tempo de tentar resolver o problema por essa via. Aliás, é obrigação desses órgãos – Previdência, Funasa e cartórios. De nada adianta cruzar bancos de dados que custam uma fortuna em programação e em manutenção para morrer na praia, isto é, na alimentação desses dados que, assim como estão, tornam um sistema tão burro quanto acintoso à dignidade das pessoas.

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