1. Conceito

Os sistemas legislativos sempre premiaram o interesse individual em detrimento dos pleitos coletivos e difusos. Buscavam freqüentemente reparar os danos causados às pessoas, sem qualquer preocupação com os interesses sociais como um todo.

No entanto, esta visão do Direito, com o passar dos tempos, vem sendo mitigada por uma nova preocupação social. A salvaguarda dos interesses individuais possui sua importância, mas não superam a supremacia que atingiu os interesses difusos e coletivos, inclusive gozando de maior valoração frente ao princípio da proporcionalidade(1).

O sistema positivo brasileiro prevê expressamente a possibilidade de qualquer do povo brasileiro exercer uma responsabilidade social compartilhada com o Estado, com a abertura de se utilizar individualmente instrumentos que possibilitem a proteção ambiental, no interesse da legalidade e da coletividade, sem ter que invocar ou demonstrar qualquer tipo de interesse pessoal na situação atacado(2).

Atribui-se, assim, às pessoas, a legitimidade para individualmente exercer a proteção do meio ambiente, de forma solidária e compartilhada com o Estado(3), em verdadeira possibilidade de exercício da cidadania, na correção de irregularidades e disfunções existentes nas tarefas de proteção ambiental, que inicialmente deveriam ser exercidas pelo Estado.

Por isso, na medida em que a Constituição Federal(4) de 1988 reconhece o direito fundamental ao meio ambiente e a possibilidade de a sua proteção ser exercida individualmente pelo cidadão, fica clara e evidente a sua preocupação para com a coletividade e a importância que este valor adquiriu neste final e início de século.

Instituiu-se, então, com a ação popular ambiental, um remédio processual para proteção do erário ou patrimônio público, bem como para proteção do meio ambiente. Esta medida processual visa a desconstituição de um ato lesivo e ilegal e a condenação dos responsáveis do poder público ou terceiros à restauração do status anterior, inclusive com a possibilidade de estipulação de perdas e danos.

Por isso, faz parte desta tutela jurisdicional a possibilidade de obter, por esta via, a reparabilidade do dano ambiental, a título individual, com dimensão coletiva difusa em face do bem protegido.(5)

2. Origem

Originada no Direito Romano, a ação popular, no Brasil, era destinada especificamente para proteção do patrimônio público. Com a Lei 6.513/77, passou a proteger também os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.(6)

Porém, somente com a Constituição de 1988 foi que a Ação Popular destinou-se especificamente à proteção do meio-ambiente. Em seu art. 5.º, LXXIII, explicita que:

“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”

Assim, com a elevação desta preocupação à esfera constitucional vislumbra-se o grau de importância que a aludida matéria tem tomada nos últimos tempos.

3. Natureza Jurídica

A ação popular sempre teve a sua natureza jurídica controvertida, se seria somente declaratória ou declaratória e desconstitutiva. No entanto, a jurisprudência dominante firmava-se no sentido de ser meramente declaratória a natureza deste tipo de ação.

Mas, hodiernamente, é patente a natureza desconstitutiva e condenatória da ação popular. Sua decisão reveste-se de uma caráter dúplice, com a desconstituição do ato lesivo e a possibilidade de condenação do demandado ao pagamento de perdas e danos.

Assim, a decisão de procedência de ação obrigará o demandado a restabelecer o statu quo ante, por meio de obrigação de fazer ou deixar de fazer ou, ainda, sendo impossível qualquer delas, por intermédio de ressarcimento pecuniário.

A dupla natureza jurídica da ação popular é extraída do art. 11 da Lei 4.717/65 dispondo que “a sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis …”.

Vê-se, então, que a desconstituição do ato lesivo ou o não fazer determinado em sentença é automático, mas a condenação em pecúnia dependerá de execução forçada.

4. Previsão Legal

A ação popular ambiental vem expressamente prevista na legislação pátria, embasada no art. 5, LXXIII, da Carta Maior. O procedimento, no entanto, vem regulado na Lei da Ação Civil Pública, no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 4.717, de 1965.

Assim, estão previstas duas concepções para proteção do bem ambiental: a primeira, o patrimônio público conectado com o meio ambiente e a segunda, o meio ambiente uso comum da coletividade, de titularidade indeterminada e indivisível.(7

5. Aspectos Processuais

O direito fundamental subjetivo à propositura de uma ação popular ambiental deve atender alguns regramentos processuais, específicos para um melhor funcionamento e adequação à sua finalidade. Obedece-se o princípio do devido processo legal.

5.1. Legitimação

Algumas divergências existem acerca da possibilidade de quem poderia ingressar com a ação popular ambiental. Parte da doutrina aduz que, de acordo com a lei 4.717/65, para propor ação popular ambiental a pessoa necessita ser cidadão brasileiro, situação que somente seria provada com a apresentação do título de eleitor.

No entanto, esta restrição contraria o disposto no art. 5.º, LXXIII e art. 225, caput, da Carta Magna, uma vez que se o que se busca é um meio ambiente saudável a todos. Desejou-se, então, que brasileiros e estrangeiros residentes no País, eleitores ou não, estivem dotados de meios para exercer seus direitos contra a degradação dos bens e valores ambientais.

Assim, estão legitimados todos aqueles que podem sofrer com os danos e lesões causados ao meio ambiente. Porém, ressalte-se que a pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular ambiental, pois sobre ela não pesará qualquer conseqüência de ato negativo ao meio ambiente, não havendo, por isso, interesse para agir.

A legitimação passiva, por sua vez, deverá ser atribuída a todas as pessoas que de certa forma praticarem ato lesivo ao meio ambiente. Assim estarão legitimadas as pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas, da administração direta ou indireta.

5.2. Pedido e causa de pedir

Para Mukai é também requisito para utilização da ação popular ambiental(8), que o ato praticado seja lesivo ao meio ambiente e ilegal, de forma a contrariar dispositivo de lei(9).

Assim, não basta que o ato seja lesivo, pois pode haver autorização da administração pública para tal ato. É necessário que o mesmo seja também ilegal, de forma a contrariar o disposto em qualquer legislação, inclusive o princípio estabelecido na Constituição Federal, no art. 225.

Entretanto, existem determinados atos que mesmo sendo legais (inicialmente), poderão ensejar a propositura da ação popular ambiental, quando atinjam patamares de lesividade ao meio ambiente fora de uma razoabilidade, contrariando, assim, o disposto na Carta Magna.

5.3. Liminar

A lei que regulamenta a ação popular estabelece a possibilidade de se requerer a suspensão liminar do ato impugnado, quando caracterizada a lesividade e a ilegalidade, conforme disposto no art. 5.º, § 4.º, da Lei 4.717/65, acrescentado pela Lei 6.513/77.

Com isso, almeja a legislação conceder uma tutela de liminar para o desfazimento o ou o bloqueio do ato lesivo e ilegal impugnado, mediante a comprovação da fumaça do bom direito e do perigo na demora, evitando-se imediatamente os prejuízos e ilegalidades cometidos.

5.4. Coisa julgada

A sentença, não obstante poder atingir terceiros, torna-se imutável somente para as partes do processo, conforme regra prevista no Código de Processo Civil.

Porém, a Lei da Ação Popular, em seu art. 18, assevera expressamente que:

“A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cida dão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”

Com isso, atende-se o interesse envolvido, pois se trata de bem que pertence à todos indivisivelmente. O tratamento da coisa julgada fora dos parâmetros normais do Código de Processo Civil atende situação específica de direito difuso, pois se trata do direito de todos.

5.5. Prescrição

O art. 21 da Lei 4.717 indica que a ação popular prescreve em cinco anos, posição que vem sendo confirmada pelos Tribunais pátrios (STJ Resp n.º 0004996; DJ 17/06/96, p. 21450; TJSP AP.Civ. n.º 205.827-1; v.u. 15/02/95; TJPR Ap.Civ. Ac. 2927; 19/11/1984, entre outros).(9)

No entanto, não obstante o respeitável entendimento aduzido, sabe-se que não existe em direito adquirido para prática de ato lesivo e ilegal ao meio ambiente. Por isso, não é aceita a prescrição de ação que visa a salvaguardar os interesses que buscam defender o meio ambiente de práticas lesivas e ilegais, vez que estes são de ordem pública e indisponível.

5. Bibliografia

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 6.ed. ver. Ampl. E atual. Rio de Janeiro: Lúmen juris, 2002.

BARROS, Silvana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: livraria e editora Brasília jurídica, 1996.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: saraiva, 2000.

LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: editora revista dos tribunais, 2000.

MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 3.ed. Rio de Janeiro: forense universitária, 1998.

(10) MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteção jurídico ambiental dos recursos hidrícos. Leme: LED, 2001.

VITTA, Heraldo Garcia. O meio ambiente e a ação popular. São Paulo: Saraiva, 2000.

(1) De acordo com este princípio, quando os valores fundamentais previstos na Constituição entiverem em confronto, deverá prevalecer o que oferecer maior valor para a coletividade. BARROS, Silvana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: livraria e editora Brasília jurídica, 1996. p. 213-214.

(2) Leite, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: editora revista dos tribunais, 2000. p. 151-153.

(3) Este podendo se socorrer de outros meios processuais.

(4) Art. 225, caput, da Constituição Federal.

(5) Leite, Op. cit., p. 157.

(6) MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 3.ed. Rio de Janeiro: forense universitária, 1998. p. 102.

(7) Leite, op. cit., p. 162.

(8) Além da condição de cidadão.

(9) MUKAI, op. cit., p.104-105.

(10) MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteção jurídico-ambiental dos recursos hídricos brasileiros. Leme: LED, 2001. p. 314.

André Ricardo Franco – artigo apresentado no Curso de pós-graduação em Direito Empresarial, da Universidade Estadual de Londrina, na disciplina de Direito Ambiental, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista.

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