Ação acidentária: a prova pericial

acaoacidentaria200108.jpgA prova pericial não é o único elemento de convicção do julgador, mas com certeza o mais importante na aferição do percentual de capacidade de trabalho do acidentado ou da vítima de doença ocupacional.

Nos termos do art. 145 do Código de Processo Civil (CPC), quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito. Para caracterizar insalubridade ou periculosidade, a lei(1) exige que o expert seja um Engenheiro de Segurança ou Médico do Trabalho. Contudo, em relação à mensuração da incapacidade laborativa, a perícia poderá ser feita tanto por um profissional da Medicina do Trabalho quanto outro que detenha formação técnica específica na área. Assim, para avaliar, por exemplo, a perda auditiva induzida por ruído (PAIR) o laudo pode ser feito por um médico do trabalho ou por um otorrinologista.

Contudo, há situações de perícias mais complexas em que o juiz, com base no art. 431-B, do CPC, poderá nomear mais de um perito de áreas diversas, a fim de bem apurar o objeto de exame. É o caso, por exemplo, da perda de capacidade laborativa por LER (lesão por esforço repetitivo). Nesta situação, a perda da força muscular de membro superior deve ser aferida por médico ortopedista, enquanto o nexo causal da LER e/ou mesmo a culpa do empregador poderá ser avaliada por engenheiro de segurança do trabalho que verificará se a empresa observou todas as normas de ergonomia prevista na NR-17. Importante registrar que o perito nomeado presta compromisso e está sujeito a impedimento e suspeição na forma da lei processual (arts. 420 a 439, CPC).

Há duas regras do CPC, aplicáveis integralmente às ações trabalhistas acidentárias, que merecem comentário:

Art. 436: O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos;

Art. 437: O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida

Com efeito, o julgador pode concluir de forma diversa daquela ilação que chegou o perito, aproveitando-se apenas de parte do seu arrazoado. Nesse caso poderá optar pela conclusão e argumentos de um dos assistentes técnico das partes. Por óbvio que as suas razões e fundamentos devem constar da sentença, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da CF).

Da mesma forma, quando a matéria objeto da perícia não restar esclarecida de forma suficiente, o juiz pode e deve determinar a realização de nova perícia, máxime quando o requerimento for feito pela vítima. O tema é relativamente novo na Justiça do Trabalho e o que se vê, em boa parte dos casos, são laudos periciais elaborados de forma incompleta e perfunctória. Quando a incompletude e imprecisão do laudo pericial forem evidentes, o juiz terá o dever de acolher o requerimento da parte acerca da realização de nova perícia, sob pena de caracterizar nulidade processual por cerceamento de defesa (art. 5.º, LV, CF).

Não se perca de vista que o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução CFM n.º 1488, de 11/2/1998, traçando os procedimentos e diretrizes para a perícia médica de nexo causal em relação às doenças ocupacionais. Nela deve-se investigar: a história clínica e ocupacional; o estudo do local e da organização do trabalho; os dados epidemiológicos; a literatura atualizada; a ocorrência de quadro clínico em trabalhador exposto a condições agressivas; a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; o depoimento e a experiência de trabalhadores e os conhecimentos de outras disciplinas, sejam ou não da área da saúde.

Na opinião de Sebastião Geraldo de Oliveira, tais procedimentos técnicos recomendados por essa Resolução representam uma diretriz de segurança importante, sendo que sua aplicação contribuirá para se encontrar a verdade e para a melhoria da qualidade dos laudos periciais, oferecendo ao julgador melhores subsídios para o seu convencimento(2).

Uma dessas diretivas encontra-se estampada no art. 12 da Resolução 1488: ?O médico de empresa, o médico responsável por qualquer Programa de Controle de Saúde Ocupacional de Empresas e o médico participante do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho não podem ser peritos judiciais, securitários ou previdenciários, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados)?. Outra que merece menção é a do art. 10, atinente às atribuições e deveres do perito-médico-judicial, notadamente a de examinar clinicamente o trabalhador e solicitar os exames complementares necessários, além de se fazer acompanhar (se possível) do próprio trabalhador que está sendo objeto da perícia, a fim de obter melhor conhecimento da função e do ambiente do trabalho.

Seria de bom alvitre que o juiz, ao designar o expert responsável pela perícia, determinasse expressamente que ela fosse realizada de acordo com as diretrizes da Resolução CFM n.º 1488. Nessa mesma esteira exortadora, é importante que o próprio julgador não hesite em formular os quesitos que entenda necessário ao esclarecimento da causa, conforme lhe faculta o art. 426 do CPC.

Notas:

(1) Conforme art. 195 da CLT.

(2) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 2.ª edição, São Paulo: LTr, 2006, pág. 131.

José Affonso Dallegrave Neto é mestre e doutor em Direito pela UFPR. Advogado membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. neto@dallegrave.com.br

Voltar ao topo