A viagem

O presidente Lula compara o período em que está à frente do governo a uma viagem. Uma viagem “em busca de um Brasil novo”. Embalado pelos sinais econômicos que, para ele, são bons sinais, recuperou o bom humor perdido na véspera do último Carnaval com a explosão do Waldogate. Esse Brasil novo, segundo disse na quarta-feira que passou, “pulsa dentro desta nação materialmente tolhida e espiritualmente inferiorizada que herdamos, e que, felizmente, já está mudando”.

Numa viagem – sabemos – acontece de tudo. Quem viaja precisa estar preparado para o imponderável. As surpresas podem vir do tempo, da estrada, dos viandantes, da carruagem utilizada, dos lugares e, também, dos humores dos próprios viajantes. Nesses 18 meses de viagem, Lula já teve surpresas e sobressaltos de todo tipo.

Começou imaginando marco zero em tudo – mudança dependente apenas de sua vontade política que era imensa. Mas já esteve muito desanimado. Sonhou com um povo bem alimentado e nutrido. Prometeu um espetáculo – o do crescimento – que não aconteceu até aqui. Vaticinou o fim da era das vacas magras num pasto sem muitas perspectivas de engorda. Tentou reformas que ficaram pela metade. Tropeçou, enfim, no abismo dos escândalos que à sua volta pipocam, fragilizando o ânimo dos companheiros de viagem. Perdeu alguns, poupou outros. E reanimou alguns prostrados. Agora mesmo se debate em meio a outra tempestade.

Sua voz, entretanto, continua a de quem não tem outro papel senão aquele de comandar a caminhada da equipe: “Vocês vão fazer muito mais se cada um colocar na cabeça a frase que termina uma campanha nossa, que diz: eu sou brasileiro e não desisto nunca”. E completa com a admoestação que lhe é indispensável: “Se todos nós formos tomados dessa força interior, não haverá intriga, não haverá futrica, não haverá eleição que possa brecar, frear o desenvolvimento que este País precisa e deve ter”.

Devagar com o andor. Doses de otimismo sempre são bem vindas em períodos de vicissitude. Mas esta nação pode imaginar que continua sendo “espiritualmente inferiorizada” se tudo o que acontecer de estranho ou inconveniente em Brasília e adjacências for considerado mera futrica ou intriga. E se o processo de debates desencadeado por uma eleição for considerado instrumento de freios ao desenvolvimento ou à liberação do que “materialmente tolhido” aí estava ou está.

Estivéssemos no lugar de Lula não apreciaríamos de forma tão simplista o episódio que envolve o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sobre quem pesam acusações de desacertos com o Fisco. Ou o presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, pego numa armadilha que o faz refém de um partido em detrimento dos interesses gerais, além de eventuais desentendimentos com o Fisco. Também não estaríamos muito à vontade com as apreciações sobre a atuação do ministro da Saúde, Humberto Costa, às voltas de quem descobriram-se vampiros especializados no embolso de recursos públicos. Nem se fale aqui do emudecido caso que quase tirou do cenário o ministro José Dirceu, da Casa Civil.

O que se discute em Brasília, afinal, não são os efeitos benéficos dessa onda de crescimento alegada por Lula em vilegiatura. Discute-se, sim, sobre como o governo está manobrando para manter em seus cargos pessoas que devem explicações à sociedade. Ou que, como bem disse o diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato (outro cuja cabeça estaria a prêmio depois da famosa compra de mesas num show para ajudar na construção da sede nacional do PT), estão vivendo uma “situação kafkiana”. São percalços de uma viagem que, para o bem andar da carruagem, precisam ser esclarecidos.

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