Entrevistado por um dos canais de televisão de Curitiba, um motorista de caminhão, na fila da soja rumo a Paranaguá, queixava-se da brutalidade a que estão submetidos no trabalho que executam. “Além dos prejuízos pela longa espera, cansaço e tudo o mais, não há sequer condições de a gente fazer as necessidades físicas com o mínimo de dignidade”, dizia ele. Naquele dia, a fila, que começa nas portas do Porto de Paranaguá, terminava a oeste de Curitiba, nos acostamentos esburacados da via do Contorno Sul. Dizia-se que das seis milhões de toneladas que o porto estima exportar este ano, apenas 2,3 milhões tinham sido embarcadas. Além da supersafra, temos uma supervenda, gabava-se um dos diretores da Appa – Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina. Uma supersafra, uma supervenda e superproblemas.

Sugerem que a fila decorre de desentendimentos entre caminhoneiros autônomos que reivindicam aumento das diárias pagas, hoje na casa dos R$ 0,25, para R$ 0,90, e os operadores dos terminais, que estariam admitindo no máximo R$ 0,60. Consultado, o superintendente da Appa, Eduardo Requião, disse que não entra na encrenca, pois esse é assunto comercial que não envolve o porto. “Nos solidarizamos – disse ele – à democracia da manifestação, mas desde que ela seja legítima, defenda os reais interesses da categoria e não prejudique a economia do Estado e do País.” Um de seus colaboradores, entretanto, deu razão aos caminhoneiros, ao observar que o frete dobrou de preço enquanto o valor da diária continua o mesmo.

Sabe-se, entretanto, que as filas antecedem o debate sindical. A reivindicação por maiores diárias surgiu há pouco, depois de as filas já terem se tornado a vergonhosa marca registrada dessa supersafra. Não seriam, portanto, as reivindicações dos caminhoneiros a causa – e sim o efeito – da irritante espera de milhares de caminhões carregados à beira da estrada. Há problemas, sim, no porto; há problemas no carregamento e há problemas no planejamento de tudo isso – uma verdadeira operação de guerra, que precisa ser pensada em todos os seus detalhes.

Já afirmamos aqui e voltamos a repetir que essa fila de caminhões é uma lástima. Sob todos os aspectos é a mais cabal demonstração de falta de planejamento que impera em todos os níveis de nosso setor agrícola. Não temos planejamento adequado na hora do plantio, nem na hora da colheita, nem na hora da comercialização da safra, muito menos na hora da armazenagem. As sementes brotam do chão e crescem com o viço de nossa terra, mas desde a silagem até o setor viário e ferroviário (e portuário também) para o escoamento dessa riqueza tudo funciona num improviso anárquico de fazer inveja e dó.

Mais que lavar as mãos ou achar desculpas circunstanciais para justificar o descalabro, é preciso que o governo coloque mãos na massa e procure, urgentemente, com vontade e decisão, uma solução a curto, médio e longo prazo para esse problema que, ano após ano, se repete com intensidade cada vez maior. Uma dessas soluções era apontada recentemente: ampliação do porto. Outra solução seria, a nosso ver, a opção ferroviária, irresponsavelmente abandonada nas últimas décadas pelos governos, tanto federal quanto estadual. Mas devem existir outras.

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