A “televisão” vista pelo Direito: o sentido jurídico

A televisão está presente nas famílias brasileiras. Ela ora serve à comunicação ora impede o diálogo entre os familiares. É certo que alguns a adoram, outros a detestam. A maioria do povo mais do que ler, prefere assistir à TV. Uma boa parte do tempo de vida é passado diante da telona.

Apesar de o serviço de televisão por radiodifusão ser considerado como um serviço público gratuito, aliás um dos mais universais no Brasil, há um verdadeiro silêncio sobre o tema no âmbito do Direito.

A palavra televisão etimologicamente significa visão à distância. No dicionário, em regra, o seu sentido está associado ao aparelho televisor, à emissora de TV, à atividade de produção e de transmissão de programas informativos, educativos e de entretenimento, à propagação de sinais de áudio e vídeo etc.

Aqui, a reflexão e o diálogo recaem a respeito do conceito de televisão no campo jurídico. O estudo do tema impõe-se diante de tantas modificações decorrentes da evolução tecnológica (e da convergência), e especilmente em razão do advento da TV Digital.

O termo televisão assume diversos significados, podendo-se referir usualmente a um “sistema de transmissão e recepção de sinais visuais convertidos em sinais eletromagnéticos, através de ondas hertzianas ou de cabo coaxial”, à “atividade artística, técnica, informativa e educativa, desenvolvida para difusão simultânea de sinais de vídeo e áudio” ou pode designar a “emissora de radiodifusão ou cabodifusão de imagens e sons ou, finalmente, indicar simplesmente o receptor de televisão”.

A palavra “televisão” tem uma extensão que inclui a televisão por radiodifusão (televisão aberta) e a televisão por assinatura (cabo, satélite, MMDS etc.) e que pode incluir outros meios de difusão de sinais de televisão.

É preciso adotar um critério para a definição da nota básica que identifique a atividade de televisão diante de outras atividades, inclusive independentemente da tecnologia utilizada para a difusão dos sinais de áudio e de vídeo. Existem propriedades relativas à atividade de televisão que justificam a aplicação de seu regime jurídico aos serviços análogos.

O que importa é o sentido jurídico de televisão. A busca da significação do conceito deve ser feita no campo do ordenamento considerado em sua globalidade. A Constituição não adota conceitos, razão pela qual a determinação do significado de serviço de televisão por radiodifusão há de ser buscada em outros lugares. A Constituição limita-se a contemplar expressões lingüísticas ligadas aos termos “emissoras de televisão” (art. 221) e “radiodifusão de sons e imagens” (art. 222). Embora não haja em seu texto a delimitação do que seja a expressão “radiodifusão de sons e imagens”, a partir do quadro constitucional é possível a determinação do regime aplicável aos serviços de televisão.

No direito brasileiro as expressões usualmente empregadas são: radiodifusão e televisão, sendo pouco habitual a utilização do termo comunicação audiovisual e atividade de televisão.

A análise do ordenamento jurídico revela a existência de um conceito de televisão em sentido restrito que se refere à televisão por radiodifusão. Trata-se, por assim dizer, a noção clássica de televisão criada na década de 50 do século passado.
Destaque-se que o sentido estrito está relacionado à televisão por radiodifusão que se refere à atividade de emissão e transmissão de sons e imagens, realizada por intermédio de freqüências radioelétricas, destinada à recepção livre e gratuita pelo público em geral. Daí a identificação entre televisão por radiodifusão e a noção de televisão aberta.

Por outro, lado, há o conceito amplo que qual engloba todos os meios de comunicação que transmitem sinais de televisão, independentemente da tecnologia adotada, como será analisado mais à frente.

E mais, uma outra classificação adotada consiste nos termos televisão por radiodifusão (televisão aberta aquela cujo acesso não depende de pagamento) e televisão por assinatura (televisão fechada ou de acesso condicionado aquela cujo acesso depende de pagamento).

A partir do direito positivo, cabe à doutrina a apresentação do conceito amplo e do conceito estrito de televisão. E mais, também é seu trabalho verificar a possibilidade de apresentar um conceito unitário que garanta a unidade na formatação e aplicação de um mesmo regime jurídico aos serviços de televisão.

Em outras palavras, analisar a admissibilidade de extensão do regime jurídico originário aplicável aos serviços de televisão por radiodifusão a outras modalidades de televisão. É igual o regime jurídico aplicável à TV por radiodifusão à TV paga? A resposta é negativa.

Assim, propõe-se o seguinte conceito amplo para o serviço de televisão: a atividade de emissão, transmissão e recepção de uma seqüência ordenada de sons e imagens que configura um programa vinculado à programação de conteúdo audiovisual, realizada por redes de difusão, destinada ao público em geral ou a determinada categoria de público, com a possibilidade de pagamento ou não, independentemente da tecnologia adotada.

Este é um conceito amplo que abrange tanto a televisão por radiodifusão quanto a televisão por assinatura, mas que serve para diferenciar de outros serviços de distribuição de conteúdo audiovisual. O elemento central da definição estipulada é a noção de programação audiovisual. O conceito amplo é necessário justamente em um novo ambiente de convergência tecnológica que exige que as definições não fiquem necessariamente atreladas às tecnologias.

A busca do sentido jurídico de televisão é um dos primeiros passos para a compreensão de sua regulação, tanto para a sua necessária reformulação quanto para a sua aplicação concreta.

Ericson Meister Scorsim é advogado. Doutor em Direito pela USP. ericson@expresso.com.br
O autor mantém o site: www.tvdigital.adv.br