A roda quadrada

Os dois ? o eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o atual Fernando Henrique Cardoso ? presidentes do Brasil estiveram pelos Estados Unidos nesses dias. O primeiro, foi ter com George W. Bush para lhe dizer, segundo anunciou, que será bem mais inflexível na defesa dos interesses brasileiros que o presidente que sai, mas que, apesar disso, terá pouca disposição para alimentar brigas. O segundo foi, numa comitiva de mais de trinta, colher louros: um prêmio chamado Mahbud ul Haq, que brasileiro nenhum sabe como se pronuncia, concedido pela primeira vez pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Esse prêmio, segundo dizem, é destinado a chefes de Estado que tenham alcançado maior êxito na implementação do desenvolvimento humano na agenda política de seus países. Logo, os brasileiros estão muito honrados e FHC está de parabéns. Tem autoridade para reivindicar um emprego na ONU depois que voltar dos três meses de férias anunciadas em Paris. Mais que isso, dizer ao sucessor que não foi tão ruim assim quanto se falava na campanha que lhe tirou o sonho de vitória. Para fazer mais fosquinha, o presidente levou junto o derrotado José Serra, ex-ministro da Saúde, e o ministro Paulo Renato, da Educação, com os quais declara dividir a homenagem pelos relevantes serviços prestados à nação. E, de quebra, a atriz Regina Duarte, que declarou seus medos com relação ao futuro cheio de esperanças.

Ao embarcar para Washington, aos jornais, Lula mandou dizer que nesse primeiro encontro, tanto ele quanto Bush tinham como objetivo desfazer o mal-estar causado pela falta de empatia entre FHC e o presidente norte-americano. Ninguém, até agora, aludira a essa falta de empatia. Quase ao mesmo tempo, ao presidente do Banco Mundial, Enrique Iglesias, com quem almoçou, FHC recorreu a uma imagem que já usou por aqui: que Lula e sua equipe “não queiram inventar a roda porque às vezes a roda sai quadrada”.

Não exatamente porque estejamos preocupados com invenções, mas se aqui se abraçam e sorriem, com tapinhas nas costas e tudo o mais que manda o bom figurino, por qual motivo os dois resolveram atirar farpas um no outro lá fora? Onde estaria o quadrado da circunferência a que alude Fernando Henrique Cardoso, e onde estariam as diferenças entre FHC e Bush de quem Lula inesperadamente se aproxima?

Rei morto, rei posto, reza o velho ditado. A proposta, segundo se diz de Lula, é passar uma borracha nas idéias preconcebidas de lado a lado e anular arestas desnecessárias. Pelo menos para o início do novo governo, busca-se um clima de cordialidade para tratar das diferenças que naturalmente haverão de se agravar com o início da etapa decisiva das negociações sobre a Área de Livre Comércio das Américas.

Esse é um bom discurso, mas as idéias não são apenas preconcebidas. São reais tanto lá quanto cá, sabemos todos e sabe também Bush. E Lula chega aos Estados Unidos como uma espécie de guru (ou paradigma) das esquerdas em toda a América Latina, título, aliás, que lhe foi conferido por aclamação no Fórum São Paulo, que acaba de se realizar em Antígua, na Guatemala.

Patriotada de lado a lado, o que de fato nos interessa é se, depois dessas visitas, o dólar vai baixar, tracionando para baixo também a inflação que já nos tira o sono. Afinal, se as arestas eram entre Bush e FHC ? coisa que vem desde antes dos atentados, no ano passado, conforme revela o pessoal de Lula -, agora que estamos de bem com Tio Sam, a roda pode ficar mais redonda que antes. E, como na propaganda da cerveja, o que desce redondo desce melhor.

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