A revelia e a confissão no Processo do Trabalho: aspectos relevantes

1. O significado do vocábulo revelia

De Plácido e Silva entende caracterizada a revelia “pela falta de defesa inicial do réu, regularmente citado”(1).

Originando-se do latim rebellio, segundo J. M. Othon Sidon, entende-se por revelia a ausência imotivada do réu em juízo “para defender-se, assim deixando correr contra si os demais prazos processuais”(2).

Estado e situação do réu que não se defende, é o significado do vocábulo revelia para Pedro Nunes, ao que acrescenta considerar-se: “pena em que incorre a parte que, regularmente citada, deixa de comparecer em juízo dentro do prazo legal que tem para defender-se, ou contestar a ação (…)”(3).

2. O sentido da palavra confissão

Também qualificada como delle prove, refere-se a confissão ao “ato pelo qual a pessoa capaz reconhece e espontaneamente declara verdadeiro o fato que se lhe imputa ou contra ela é alegado”(4).

O Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas resume o significado do vocábulo ao “ato pelo qual a parte, em juízo ou fora dele, admite a verdade de um fato contrário a seu interesse e favorável ao adversário”(5).

Na confissão, a parte admite a “verdade de um fato contrário a seu interesse e favorável ao adversário”, segundo Maria Ivone Gomes e Christóvão Piragibe Tostes Malta, podendo “ser feita por qualquer das partes e versa exclusivamente sobre fatos”(6).

3. A revelia no processo do trabalho

O caput do art. 844 da CLT diz: “O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão, quanto à matéria de fato”.

A exegese desse dispositivo legal conduziu o C. TST, através da Seção de Dissídios Individuais I, a enunciar o precedente n.º 74, no seguinte sentido: “Revelia – ânimo de defesa. Revelia. Ausência da reclamada. Comparecimento de advogado. A reclamada ausente à audiência em que deveria apresentar defesa é revel, ainda que presente seu advogado munido de procuração”.

Não há dúvida que existe parte da doutrina corroborando esse entendimento. Nesse sentido, Amauri Mascaro Nascimento(7), Carlos Alberto Reis de Paula(8) e Mozart Victor Russomano(9).

Há, contudo, sustentação teórica contrária, através dos juristas Valentin Carrion(10), Eduardo Gabriel Saad(11), Coqueijo Costa(12), Wilson de Souza Campos Batalha(13), Sergio Pinto Martins(14), José Eduardo Haddad(15) e Manoel Antonio Teixeira Filho. Este, em sua atualizadíssima “A Prova no processo do Trabalho”, é enfático: “…o conteúdo da OJ n.º 74, da SDI-I, do TST, a nosso ver, é juridicamente insustentável, pelas seguintes razões: a) considerar revel o réu, cujo advogado está presente à audiência inicial, regularmente, munido de procuração e de contestação, ou que pretendia formular, oralmente, a defesa; b) considera confesso o réu, quando se sabe que o preposto ausente não seria interrogado naquela audiência. Daí o caráter algo surrealista da precitada Orientação”(16).

O E. TRT da 9.ª Região, sobre o tema, por duas de suas cinco Turmas assim já se posicionou(17).

4. A confissão no processo do trabalho

Distinguem-se os vocábulos revelia e confissão ficta, conforme registra com propriedade Amauri Mascaro Nascimento: “a lei trabalhista distingue as duas figuras. Uma, a confissão, é conseqüência de outra, a revelia. O revel é considerado também confesso quanto à matéria de fato. Essa distinção tem importância nos casos de adiamento da audiência após a contestação e ausência do réu à sessão subsequente. Há confissão ficta, porque o réu não está presente para depor, mas não há revelia, porque a contestação consta do processo, desde a audiência em que foi manifestada”(18).

A confissão, seja real ou ficta é um dos temas mais abordados na Justiça do Trabalho, todos os dias em que se derem audiências e sentenças. Corresponde ao tema das horas extras para o direito material do trabalho, em quantidade de ocorrência.

5. As hipóteses mais freqüentes na Justiça do Trabalho

Pode-se dizer que quatro são as situações que mais ocorrem na Justiça do Trabalho em relação ao assunto pensado.

A primeira hipótese, é a do preposto não empregado, que tem resposta, pelo C. TST, na Orientação Jurisprudiencial n.º 99 da SDI I, assim: “Preposto. Exigência da condição de empregado. Exceto quanto à reclamação de empregado doméstico, o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado. Inteligência do art. 843, § 1.º da CLT”.

É possível, agora, à luz do Novo Código Civil, em vigor desde 11.01.03, aplicando-se subsidiariamente os arts. 1.172 e 1.177, parágrafo único, entender-se como preposto: a) permanente, o gerente com vínculo empregatício; b) temporário, o colaborador, sem vínculo empregatício. Desse modo, será possível, constatar, agora, que a interpretação que o C. TST deu, considerando o revogado Código Comercial, não mais subsiste, devendo ser revista, com urgência, a OJ n.º 99, tendo-se em conta a Resolução Administrativa n.º 874/2002, de 01/07/02, que dispõe ser necessária a indicação de novas situações para a Comissão de jurisprudência e de Precedentes Normativos tomar as providências no sentido de, alternativamente, adaptar tais verbetes à nova ordem positiva ou submeter proposta de alteração deles ao Tribunal Pleno.

A segunda hipótese, a de advogado poder ou não ser preposto, restou controvertida durante longo tempo. Parece-nos que hoje a matéria se encontraria superada pelo Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, que estabelece: “Art. 3º É defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como patrono e preposto do empregador do cliente”. O Código de Ética e Disciplina da OAB repete no art. 23 essa mesma disposição. Portanto, inaceitável que o advogado atue em ação trabalhista como preposto, seja ou não empregado. Sergio Pinto Martins assinala que “essa regra tem por objetivo resguardar a própria profissão, acautelando também os direitos do cliente”(19).

A terceira hipótese, da dupla confissão quando trabalhador e empregador não comparecem à audiência em prosseguimento, há celeuma sobre a melhor solução a ser dada.

Manoel Antonio Teixeira Filho afirma: “não se haverá de resolver o problema sob o ponto de vista do ônus objetivo da prova, que lhes incumbia, como se tem propagado, se não que se considerará confesso o empregador, por força da exceção legal a que nos referimos (CLT, art. 844), e que não se restringe ao seu não-comparecimento à primeira audiência. É o aspecto coercitivo dessa norma legal (de sua natureza, aliás) que impede ao Juiz decidir quanto à existência ou não de confissão do empregador: esta haverá sempre, salvo se concernir à matéria de direito ou o contrário resultar de prova dos autos”(20).

Finalmente, a quarta hipótese, em casos onde há litisconsórcio passivo, duas ou mais rés, uma não comparecendo à audiência, deve-se buscar uma solução justa à controvérsia.

Manoel Antonio Teixeira Filho esclarece: “a doutrina predominante em nosso país construiu, aliás, a prudente regra de que, no litisconsórcio unitário, os atos praticados por um dos litisconsortes só se estenderá aos demais quando benéficos; os prejudiciais não produzem efeitos nem mesmo ao litisconsorte que os tenha realizado”(21).

E Sergio Pinto Martins assevera que “os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte contrária, como litigantes distintos, salvo determinação em sentido contrário. Os atos e as omissões de um não prejudicará os demais (art. 48 do CPC). Havendo revelia, seu efeito não se verificará se existirem vários réus, e algum deles contestar a ação (art. 320, I, do CPC). É a confissão o efeito da revelia”(22).

Notas

(1) SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. v. IV. Rio/São Paulo: Forense, 1963. p. 1.380.

(2) OTHON SIDON, J.M. Dicionário jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 685.

(3) NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. 9. ed. v. II. 6-2. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1976. p. 769.

(4) NUNES, Pedro. Ob. cit. v. I. A-F. p. 235.

(5) SIDOU, Othon J. M. Ob. cit., p. 171-172.

(6) GOMES, Maria Ivone e TOSTES MALTA, Christóvão Piragibe. Dicionário de processo civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977. p. 140.

(7) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 405.

(8) PAULA, Carlos Alberto Reis de. Revelia. In: Compêndio de direito processual do trabalho. Coordenado por Alice Monteiro de Barros. Obra em homenagem a Celso Agrícola Barbi. 2. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 318.

(9) RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 919.

(10) CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 26. ed. at. e amp. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 656.

(11) SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Lei do Trabalho Comentada. 28. ed. São Paulo: LTr, 1995. p. 597.

(12) Ob. e p. cit.

(13) BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho. 3. ed. v. II. São Paulo: LTr, 1995. p. 60.

(14) MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 820.

(15) HADDAD, José Eduardo. Precedentes jurisprudenciais do TST comentados. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2003. p. 163.

(16) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 157-158.

(17) BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Nulidade processual. Cerceamento de defesa. Revelia. RO 6.488/91. 1.ª Turma. Ac. 3.424/93. Relator: Juiz Silvonei Sérgio Piovesan. DJPR 16/04/93 e BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Revelia. Descaracterização. RO 3.694/91. 2.ª Turma. Ac. 7.470/92. Rel. Juiz Zeno Simm . DJPR 02/10/02.

(18) Ob. cit. p. 405-406.

(18) MARTINS, Sergio Pinto Martins. Comentários à CLT. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 816.

(20) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 171.

(21) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros no processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1993. p. 116.

(22) MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 209.

Luiz Eduardo Gunther

, juiz, e Cristina Maria Navarro Zornig, assessora no TRT da 9.ª Região.

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