A responsabilidade solidária das instituições financeiras por danos ambientais

A Constituição Federal estabelece que “todos”, indistintamente, devem velar pela tutela do meio ambiente (CF, art. 225, caput). Ninguém, portanto, está isento desse ônus. Não se tolera, nem se compactua com lesões ao meio ambiente. Os danos ao meio ambiente devem ser prevenidos e reprimidos, jamais admitidos, incentivados ou patrocinados.

Dessa maneira, não há como afastar a responsabilidade solidária das instituições financeiras que, de alguma forma, venham cooperar com práticas degradadoras ambientais, como, por exemplo, a concessão de créditos para empreendimentos poluidores. Se isso ocorrer, a instituição financeira deverá responder conjuntamente com o agente degradador direto.

A solidariedade, sabe-se, não se presume. Resulta da lei ou da vontade das partes (CC, art. 896, caput). In casu, pode ela ser extraída da própria norma geral que rege a responsabilidade civil ambiental, senão vejamos: conforme dispõe o artigo 14, § 1.º, da Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, a responsabilidade por danos ao meio ambiente é objetiva, vale dizer, dispensa o elemento culpa para fins de reparação. Além disso, pode emanar de ato contratual ou não. Basta a ocorrência do dano e a presença do nexo causal em relação à conduta respectiva para haver dever de indenizar. Acresça-se, ainda, a regra prevista no artigo 3.º, inciso IV, da mesma Lei, que estabelece a solidariedade a quem der causa ao dano ambiental, seja por conduta direta, seja indireta. Logo, se houver cooperação por parte da instituição financeira, mesmo que indiretamente, como, por exemplo, financiamento para atividades lesivas ao meio ambiente, deverá ela, inequivocamente, responder solidariamente pelos danos ambientais daí decorrentes ao lado do agente poluidor imediato.

Esses dispositivos legais, portanto, já seriam suficientes para conferir a responsabilidade civil solidária em relação às instituições financeiras que colaborassem com práticas lesivas ao meio ambiente. Entretanto, embora fosse desnecessário, a legislação ambiental quis ser mais explícita, tratando pormenorizadamente do assunto.

O artigo 12 da Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabelece: “as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma da Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo Conama.” Referido dispositivo é regulamentado pelo artigo 23 do Dec. 99.274/90, que enuncia: “As entidades governamentais de financiamento ou gestoras de incentivos, condicionarão a sua concessão à comprovação do licenciamento.”

Tais regras, em seu conjunto, impõem às instituições financeiras duas obrigações básicas. A primeira condiciona a liberação de recursos à apresentação do licenciamento ambiental. A segunda, e mais importante, condiciona o financiamento ao cumprimento das normas administrativas ambientais. Não basta o licenciamento, pois. É necessário que as financeiras avaliem os riscos de danos ao meio ambiente, bem como a higidez do ato administrativo de licenciamento.(1)

É nesse sentido que Paulo Affonso Leme Machado anota: “os bancos deverão tomar conhecimento do leque de estabelecimentos e atividades para os quais se exija legalmente o licenciamento, para poderem estar aptos a exigir a apresentação da licença ambiental”.(2) E, mais adiante, completa: “o financiamento, em que se analisa a variante ambiental, passa a ensejar um novo tipo de convivência administrativa, colocando em parceria os bancos e os órgãos ambientais.”(3)

Essa sistemática é seguida também por outras Leis. É o caso da Lei n.º 6.803, de 2 de julho de 1980, que dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. Em seu artigo 12, essa lei assenta: “os órgãos e entidades gestores de incentivos governamentais e os bancos oficiais condicionarão a concessão de incentivos e financiamentos às indústrias, inclusive para participação societária, à apresentação da licença de que trata esta lei.”

No mesmo diapasão, a Lei n.º 8.974, de 5 de janeiro de 1995, que estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados. No § 3.º, de seu artigo 2.º, dispõe: “As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da plena adesão dos entes financiados, patrocinados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta Lei, para o que deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que trata o artigo 6.º, inciso XIX, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu descumprimento.”

Nesse último caso, a simples não apresentação do certificado mencionado, faz emergir de plano a responsabilidade solidária das instituições financeiras.

Afora os dispositivos retro, caberá ao agente financiador, por ocasião do ato negocial, “fazer constar dos projetos a realização de obras e a aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente”, a teor do que prescreve o § único, do artigo 12, da Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Visa-se, com isso, impor uma atuação preventiva também por parte das instituições financeiras com o escopo de afastar a incidência de danos ao meio ambiente.

Em linhas gerais, constata-se que as instituições financeiras receberam tratamento específico por parte da normativa infraconstitucional quanto à concessão de créditos em favor de empreendimentos com reflexos no meio ambiente. Cabe, dessa maneira, a essas instituições resguardarem-se das cautelas firmadas nos dispositivos legais antes aludidos a fim de que prestem sua contribuição social na área ambiental, em consonância com o regramento constitucional (CF, art. 225). A não ser assim, estarão sujeitas a responder solidariamente com os agentes diretos pelos danos causados ao meio ambiente.

NOTAS

(1) Segundo Leme Machado, diante das regras em exame, “o Banco do Nordeste do Brasil S/A, por exemplo, no ano de 1995, propiciou dois cursos de Direito Ambiental para especialização de seus quadros e, também, de integrantes de organismos ambientais estaduais”. MACHADO, Paulo Affonso Leme, 8. ed. rev. atual. e amp. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 310.

(2) Id. Ibid.

(3) Id. Ibid., p. 311.

José Ricardo Alvarez Vianna é juiz de Direito no Paraná e mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL.E-mail: jricardo@sercomtel.com.br

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