A responsabilidade dos sócios e a regra constante do art. 990

Considerando as disposições normativas constantes do novo Código Civil, nota-se que, em razão da personificação das sociedades, os sócios têm responsabilidades, no que se refere as obrigações sociais. É assente o entendimento segundo o qual a responsabilidade dos sócios é subsidiária e limitada (conforme regramento contido no art. 1024 do Código Civil), sendo que uma das exceções está no art. 1.080 do novo código, ou seja, responderão solidária e integralmente aqueles que expressamente aprovaram deliberações sociais infringentes aos termos do contrato ou da lei. Uma outra exceção está contida no art. 50 do mesmo diploma legal. Mas conforme já ponderado, a regra geral da responsabilidade deita raízes no art. 1024 (havendo benefício de ordem, ou seja, primeiramente os bens sociais responderão pelas dívidas), de modo que a princípio não haverá comprometimento dos bens pessoais dos sócios por obrigações regularmente contraídas pela sociedade.

Porém, no que se refere à sociedade não personificada (prevista no subtítulo I, capítulo I, do Código Civil) há regramento específico quanto a responsabilidade dos sócios. Estabelece o art. 990 que, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1024 do mesmo diploma legal, aquele que contratou pela sociedade. Primeiramente, aqui não se tratará da sociedade em conta de participação, considerando que não é personificada (art. 991 e ss.), sendo certo que não terá ela personalidade jurídica, por força do art. 993.

É consabido que, nos 30 (trinta) dias após a constituição da sociedade, deverá ser requerida sua inscrição no órgão próprio (no Registro Civil das Pessoas jurídicas do local da sede, para a sociedade simples, ou perante Junta Comercial, se a sociedade for empresária, de acordo com o art. 1.150). Requerido o arquivamento dos atos constitutivos após o prazo legal concedido, o registro somente passará a surtir efeitos a partir da data da concessão pelo órgão (art. 1.151, § 2.º). Portanto, a lei faz clara distinção entre “inscrição” e “concessão”. As pessoas obrigadas a formalizar o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou demora (normalmente a responsabilidade pela inscrição recai na pessoa do administrador).

Enquanto não inscritos regularmente os atos constitutivos da sociedade (empresária ou não), será ela considerada não personificada e reger-se-á pelo regime contido nos artigos 986 a 990. A regra geral a respeito da responsabilidade é a subsidiariedade, mas o art. 990 nada mais é do que a sanção do direito para aquele que não cumpriu a determinação legal. Em outras palavras, mas com igual alcance, aquele que deixou de arquivar os atos constitutivos dentro do prazo de 30 dias responderá pela omissão. Parte da hodierna doutrina entende que, a princípio, todos os sócios deveriam responder de forma direta, não sendo de se exigir dos credores o anterior exaurimento do patrimônio da entidade, mas os doutrinadores acabam por reconhecer que, de fato, a solidariedade diz respeito aos sócios entre si na relação interna e não aos sócios em relação a sociedade. Portanto, a lei estabelece clara diferenciação entre os sócios: enquanto não regularizado o registro perante o órgão próprio (não inscrita a sociedade dentro do prazo de 30 dias) haverá responsabilidade solidária e direta para aquele que se comprometeu a efetuar o registro (administrador, por exemplo) e subsidiária em relação aos demais.

Ora, inscrita regularmente a sociedade no prazo de lei, haverá responsabilidade subsidiária dos sócios, conforme regra geral estabelecida pelo art. 1024. Não se pode deixar de lado que as obrigações dos sócios têm início quando da assinatura do contrato, caso este não fixe outra data, consoante regra do art. 1.001 do Código Civil. Deveras, internamente há obrigações dos sócios entre si e perante a sociedade da qual participam. A personalidade jurídica terá início com o registro do ato na Junta Comercial ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas (aqui, se simples), de acordo com as regras dos artigos 45 e 985 do Código Civil. De fato, grande parcela da doutrina entende que, desde o contrato, mesmo que não escrito, já há sociedade formada, e poder-se-ia considerá-la como pessoa jurídica. O simples encontro de vontade dos sócios já seria o bastante para originar a entidade, porém, o ordenamento jurídico atual prevê que a personificação somente nasce após a efetiva inscrição ou concessão (art. 45). Lembre-se, por fim, que a “affectio societatis” é mera característica inicial e não elemento das sociedades de pessoas. Nem sempre a desinteligência entre sócios é motivo bastante para que ocorra a dissolução da sociedade. A jurisprudência, salvo raras exceções, entende que, em havendo oposição de um integrante, deve ele se retirar (obedecidas as formalidades legais), mantendo-se a entidade e observa-se o princípio da preservação da empresa. Caberá ao sócio que permanecer, na sociedade limitada por exemplo, encontrar novo participante, dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena, daí sim, de ocorrer a dissolução total da entidade. Portanto, mesmo em havendo desinteligência dos sócios, poderá a sociedade dar prosseguimento as suas atividades regularmente.

Em conclusão, a regra do art. 990 do Código Civil deve ser interpretada sob os métodos teleológico e sistemático, havendo clara separação de responsabilidades entre aqueles que participam da sociedade.

Carlos Roberto Claro

é especialista em Direito Empresarial; professor assistente de Direito Societário e Falimentar das Faculdades Integradas Curitiba.(
carlos@calixtoclaro.com.br)

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