A questão dos transgênicos

A Assembléia Legislativa está discutindo projeto que proíbe a plantação, cultivo, importação, transporte e comercialização de organismos transgênicos. A proposição é de autoria da bancada petista, que alega estar defendendo interesses de pequenos agricultores e dos potenciais consumidores, que estariam expostos ao “perigo” inerente aos produtos geneticamente modificados. Os argumentos aventados não trazem grandes novidades: riscos à segurança alimentar e ao meio ambiente, importância do produto agrícola convencional para as exportações e ameaça à soberania nacional.

Antes de mais nada, é bom lembrar que temos uma legislação federal destinada especificamente a respaldar a Política Nacional de Biossegurança, e que a pesquisa e produção de transgênicos é prevista na Lei n.º 8.974/95, desde que autorizada por parecer técnico da CTNBio. O Congresso passou três anos discutindo e analisando normas de segurança e mecanismos de fiscalização para o uso da engenharia genética em organismos geneticamente modificados, preocupando-se em ouvir pesquisadores e representantes da sociedade civil, para que pudéssemos ter hoje uma das leis mais avançadas e modernas do mundo, tal como é considerada por autoridades internacionais da área de biotecnologia. Essa legislação propôs um dos melhores aparatos de segurança para organismos transgênicos, fundado nas atribuições da CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, composta por especialistas de notório saber científico na área de biotecnologia, além de representantes de órgãos de defesa do consumidor e da saúde do trabalhador, do setor empresarial de biotecnologia e dos ministérios da Ciência e Tecnologia, Agricultura, Saúde, Meio Ambiente e Relações Exteriores.

Isto posto, passemos para a questão dos “riscos” dos transgênicos. Aqui, é necessário ressaltar que nenhum alimento, inclusive os convencionais, pode ser considerado 100% seguro, até porque os riscos, sobretudo alergênicos, são muitas vezes imprevisíveis no organismo. Até hoje, nenhum estudo efetivamente comprovou algum tipo de malefício dos transgênicos à saúde humana, o que os coloca, teoricamente, em condições análogas aos não geneticamente modificados. O princípio da precaução, amplamente discutido pela comunidade científica e respaldado em nossa Lei de Biossegurança, é muitas vezes mal interpretado: as pesquisas e o cultivo devem respeitar normas de segurança, mas as dúvidas não podem servir de argumentos para um “princípio da obstrução”. Em texto divulgado recentemente pelo Senado francês, a interpretação que vem sendo dada ao princípio precautório passa a ser questionada como “opção mais segura”, pois embora haja a possibilidade da introdução de novos riscos, a história vem mostrando que a trajetória geral dos avanços científicos e tecnológicos foi a de reduzir muitos outros riscos bem mais nocivos à sociedade.

Sobre a questão econômica, é preciso ponderar que o custo de produção dos transgênicos é de 25% a 35% menor, e sua produtividade acaba sendo mais segura, uma vez que a transgenia pode tornar a cultivar mais resistente a herbicidas e inseticidas. Essa redução no preço final poderia resultar em substanciais benefícios sociais, ajudando a combater a fome e a reduzir a dependência da importação nacional, como é o caso do milho no Nordeste. Além disso, pequenos agricultores já vêm se utilizando da técnica com bastante sucesso, razão pela qual o governo federal terminou editando a Medida Provisória n.º 113, de 2003, no intuito de evitar que milhares de agricultores, sobretudo do Rio Grande do Sul, sofressem um grande prejuízo ao não poder comercializar a soja RR (Roundup Ready), resistente ao glifosato.

Quanto aos mercados para exportação, cabe informar aos que ainda não tiveram conhecimento, que o Parlamento Europeu aprovou em julho uma nova lei permitindo a comercialização dos produtos OGM, desde que a autorização seja feita caso a caso, e que os produtos tenham indicação em rótulo sobre a presença de OGM a partir de 0,9% – condições que estão em plena conformidade com a atual legislação brasileira. Restaurando sua decisão política, a UE passa a pregar a “exploração responsável das biotecnologias”, que envolvem a saúde dos consumidores e a preservação do meio ambiente, bem como o respeito à liberdade de escolha de cada um e a revisão do princípio da precaução. Em outras palavras, até mesmo mercados considerados inflexíveis estão passando a aceitar os organismos geneticamente modificados, à falta de argumentos que provem seus malefícios.

Por fim, cabe ressaltar que a nossa promissora Embrapa vem desenvolvendo pesquisas na área de sêmens e sementes com bastante sucesso, e até poderia estar colocando no mercado sementes geneticamente modificadas com direito próprio de patente. Se houvesse interesse e coordenação política, poderíamos inclusive estar em condições de disputar a hegemonia desse setor com as grandes multinacionais, em vez de simplesmente culpá-las pelas nossas dificuldades. Não é banindo a biotecnologia do nosso Estado, ou do nosso País, que estaremos promovendo o bem-estar da sociedade. Muito pelo contrário, a soberania também envolve valorizar nossas leis, nossos pesquisadores e a biotecnologia como forma de crescimento.

Rubens Bueno

é diretor da Itaipu Binacional.

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