A quebra do devedor e os convênios permitidos no Chile – I

Pelo Código de Comércio do Chile, considera-se comerciante aquele que, tendo capacidade para contratar, faz do comércio profissão habitual. Não é comerciante aquele que executa acidentalmente um ato de comércio, porém, estará sujeito às leis do comércio no que diz com os efeitos do ato. A Lei 18.175/82 estabelece os procedimentos relativos a quebra (aí incluídos vários institutos, até mesmos similares aos da lei brasileira), bem como o convênio (judicial ou extrajudicial) que poderá ser firmado. Um primeiro e interessante detalhe: naquele país sul-americano, a quebra (e este é o termo utilizado em toda a lei) poderá ser considerada fortuita, por culpa ou mesmo por fraude. Caberá a decretação da quebra do devedor que exercer atividade comercial, industrial, de minério ou agrícola, competindo-lhe pedir o que aqui poder-se-ia denominar de ?autofalência?, antes que decorram 15 dias, a contar da data em que não tenha honrado o pagamento de obrigação mercantil. Note-se que a lei atual brasileira, ao contrário do Dec.-Lei de 1945, não estabelece prazo para o devedor requerer sua autofalência.

Portanto, naquele país, o devedor também tem o poder-dever de pedir a decretação de sua ?autofalência?, e os credores legitimados poderão agir em juízo, para retirar a entidade do mercado. O juízo da quebra tem por objetivo realizar, em um só procedimento, os bens de uma pessoa jurídica ou natural, para o fim de pagar as dívidas. Interessante notar que, requerida a quebra por credor, será o devedor notificado pessoalmente para comparecer a uma audiência, apenas de cunho informativo, sem dar lugar a incidente, podendo ele (devedor) depositar fundos para pagamento dos créditos que deram azo ao pedido, assim como as despesas. Outro detalhe não menos importante. No Chile existe uma entidade denominada de ?Superintendência de Quebras?, pessoa jurídica, com domicílio em Santiago, autônoma, que se relaciona com o Executivo, por intermédio do Ministério da Justiça, e cujo objetivo é supervisionar e controlar as atividades dos síndicos. Tal entidade está sujeita a fiscalização da Controladoria Geral da República, exclusivamente no que diz com o exame das contas de suas entradas e despesas. A fiscalização dos síndicos será no aspecto técnico, jurídico e financeiro da administração, dentre outras atividades que competem à Controladoria. No que se refere aos síndicos, naquele país há uma relação nominal de pessoas legalmente investidas pela autoridade competente. E que poderão atuar. Para se ?candidatar? ao cargo de síndico, a pessoa necessitará possuir título profissional ou técnico outorgado por alguma universidade do Estado, ou reconhecido por este; contar com experiência qualificada na área econômica, comercial ou jurídica, não inferior a três anos, contados do recebimento do título e possuir idoneidade suficiente, qualificada pelo Ministério da Justiça. Também há restrições quanto a determinadas pessoas (tal como na legislação do Brasil), que não poderão ser síndico. Haverá, pois, um síndico ?provisional? titular e um suplente. Prosseguindo, decretada a quebra, deverá a sentença conter certos requisitos, tal como na lei brasileira. Aquela lei prevê também a reunião de credores, na chamada ?junta?, com a participação tão-somente daquele cujos créditos estiverem relacionados. Nas reuniões que ocorram antes de concluído o procedimento de verificação de créditos, o tribunal determinará, com audiência do síndico, quais os credores que terão direito de concorrer o votar.

Caberá à junta de credores, dentre outras obrigações, a de ratificar o nome escolhido para funcionar como síndico (titular e suplente). A Lei de Quebras também prevê a possibilidade de haver sobrestamento do feito, que poderá ser temporal ou definitivo. O temporal suspende de forma provisória os procedimentos da quebra, enquanto o definitivo põe fim a esse estado. Aquele ocorre quando inexistem bens a serem inventariados ou quando inexistir patrimônio suficiente para fazer frente aos custos do processo. Nessa hipótese, haverá a realização sumária do ativo.

No que se refere ao sobrestamento definitivo, uma das hipóteses para encerramento do processo se refere à desistência por parte dos credores.

Por fim, resta examinar a graduação dos créditos na lei chilena. Primeiramente, consigne-se que deverá o síndico efetuar o pagamento dos créditos privilegiados da primeira classe, que não tiverem sofrido objeções, na ordem de preferência, tão logo haja disponibilidade financeira. Deverá ele, síndico, reservar os valores para pagamento dos créditos da mesma classe, cujo montante esta ?sub judice?, e a quantia referente as despesas do processo. A Lei 18.175 faz referência ao art. 2472, do Código Civil do Chile. Tal dispositivo trata da primeira classe de credores. Estabelece que os créditos constantes dos números 1 e 4, deste artigo, não necessitam de verificação. São respectivamente, as custas judiciais incorridas e relativas a interesse geral dos credores; e os gastos para ?apreensão? dos bens do falido (aí incluídas as despesas para administração da quebra e realização do ativo). As remunerações dos trabalhadores e as atribuições familiares serão pagos após a liquidação dos créditos constantes dos números 1 e 4, desde que haja documentação comprobatória. As indenizações convencionadas de origem laboral, até o limite equivalente a um mês de remuneração por ano de serviço e fração superior a seis meses, e as indenizações legais de mesma origem, também serão pagas sem prévia verificação. As demais indenizações de origem laboral, assim como aquelas em conseqüência de demandas trabalhistas serão pagas após execução da sentença de mérito.

Deverá o síndico observar, quando do pagamento das indenizações trabalhistas, a necessidade de saldo suficiente para assegurar a satisfação dos créditos de ?menor direito?. Ainda, trata a lei dos créditos de segunda classe, que seriam aqueles decorrentes de direito de retenção judicialmente assegurado, que também poderão ser pagos, após a liquidação daqueles constantes da primeira classe. Ainda, há os credores da terceira classe, dentre eles os créditos por crédito hipotecário.

No próximo texto trataremos dos convênios.

Carlos Roberto Claro é professor assistente de Direito Societário e Falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; membro do ?American Bankruptcy Institute?.

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