A prova testemunhal trabalhista e o novo Código Civil

1. A normatização do processo civil

O art. 405 do CPC diz que podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes (§ 1.º), impedidas (§ 2.º) ou suspeitas (§ 3.º).

O CPC admite que, sendo estritamente necessário, o juiz ouça testemunhas impedidas ou suspeitas, não as incapazes (§ 4.º do art. 405). De qualquer modo, seus depoimentos são prestados independentemente de compromisso e o juiz lhe atribuirá o valor que possam merecer.

2. A disposição do Novo Código Civil

O NCCB mantém a proibição (art. 228), arrolando: a) como incapazes: os menores de dezesseis anos (I); aqueles que por enfermidade ou retardamento não tenham discernimento (II); os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam (III); b) como suspeitos, o interessado no litígio, o amigo íntimo ou inimigo capital das partes (IV); c) como impedidos, os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consagüinidade ou afinidade (V).

A inovação do NCCB consiste em estabelecer que “para a prova dos fatos que só elas (as pessoas incapazes, suspeitas e impedidas discriminadas) conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere” (parágrafo único, art. 228). Não diz a norma se devem ser ouvidas como informantes ou como testemunhas. A nova regra permite a ouvida dos incapazes. Estes, como se sabe, são penalmente inimputáveis (menores de 18, art. 27, Código Penal). Também são inimputáveis aqueles que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado não são aptos a entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, CP).

Em síntese, o juiz poderia tomar o compromisso (art. 415, parágrafo único, do CPC) dos suspeitos (228, IV, NCCB), impedidos (V), e dos cegos e surdos, que são incapazes (III), mas não dos menores de 16 anos ou daqueles que não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil (I e II), por serem inimputáveis.

Sílvio de Sálvio Venosa, em seus comentários a esse dispositivo, cita, como exemplo, o caso de ascendente ou amigo íntimo da parte envolvida em processo, que pode ser admitido como testemunha se foi a única pessoa que tomou conhecimento dos fatos em discussão. Mas adverte que, diante de tal hipótese, “o bom senso indica que essas pessoas devem ser ouvidas em simples declarações, sem o compromisso que possa levá-las ao crime de falso testemunho”(1).

Interpretando a ampliação constante do parágrafo único do art. 228, Carlos Santos de Oliveira nomina-a de importante, “na medida em que permite ao juiz a tomada do depoimento das pessoas mencionadas, obviamente se possível, se somente elas souberem a respeito do fato que se pretende provar”(2).

Esse autor ressalta: “A oitiva das pessoas aqui nominadas, se fará na forma prevista no artigo 405, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil, ou seja, na qualidade de informantes do juízo, independentemente de compromisso”(3).

No entender do autor mencionado, porém, nas hipóteses tratadas nos incisos II e III do art. 228, “mesmo que o juiz queira, parece que seria impossível tomar o depoimento de tais pessoas, impossibilidade esta gerada pela incapacidade física ou mental apresentada pela testemunha”(4).

3. Aplicabilidade ao processo do trabalho

A inquirição de pessoas impedidas ou suspeitas é tema importante para o processo do trabalho.

Aplicando o processo civil, e tratando da ouvida de pessoas impedidas ou suspeitas, refere Manoel Antonio Teixeira Filho não poder a parte “exigir que o Juiz ouça pessoas impedidas ou suspeitas; este o fará se entender necessário”(5).

Esclarece esse doutrinador que essas pessoas (impedidas ou suspeitas) “deporão sem que lhes seja tomado o compromisso legal (CPC, art. 415, parágrafo único), atribuindo-se ao depoimento o valor que possa merecer (CPC, art. 405, § 4.º). Referidas pessoas são os denominados informantes e suas declarações, como não constituem meio de prova, não têm eficácia para influir na formação do convencimento do julgador”(6).

Ressalva, porém, que os incapazes “não podem ser inquiridos mesmo como informantes, pois o princípio legal vedatório (CPC, art. 405, § 1.º e incs.), quanto a eles, é absoluto”(7).

Em sentido diametralmente oposto, Edilton Meireles salienta que o dispositivo comentado autoriza de forma facultativa “o depoimento dessas pessoas que são consideradas, a princípio, suspeitas, incapazes ou impedidas. Isso não implica, no entanto, que o juiz deva ter seus depoimentos como merecedores de fé. Prevalece, assim, em qualquer caso, o princípio do livre convencimento motivado do juiz a partir do conjunto das provas produzidas nos autos, inclusive da valoração da prova testemunhal”(8).

A maior divergência desse autor reside no fato de entender “que o novo Código Civil admite o depoimento dessas pessoas como testemunhas e não como informantes. Assim, elas devem prestar compromisso, sujeitando-se às sanções penais em casos de perjúrio”(9).

Considera Eduardo Gabriel Saad a regra do parágrafo do art. 228, bem como o § 4.º do art. 405 do CPC, aplicáveis subsidiariamente ao processo do trabalho, recordando que a norma civil tem “natureza nitidamente processual, pois, ninguém, na conclusão de um negócio jurídico, irá recorrer a uma testemunha impedida”(10).

Ressalta que tal classe de prova testemunhal “não pode nem deve, sozinha, formar a convicção do juiz sobre a veracidade do que se alega nos autos. Poder-se-á chegar a tal resultado, mas com outra prova que complemente ou confirme o depoimento de pessoa legalmente proibida de fazê-lo”(11).

Como exemplo de pessoas impedidas ou suspeitas, que poderiam ser ouvidas como informantes, cita Manoel Antonio Teixeira Filho aquelas indicadas pela própria família para a qual a empregada doméstica prestou serviços, pois os fatos narrados em Juízo ocorrem no âmbito familiar, não tendo terceiros, como os carteiros e entregadores de gás, conhecimento direto da situação acontecida(12).

Também Edilton Meireles menciona o caso da relação de trabalho doméstica, “onde, via de regra, as testemunhas do fato controverso (pedido de demissão ou não, abandono de emprego ou não, prática de falta grave ou não, pagamento de salário ou não), são pessoas vinculadas pelo parentesco ou pela amizade íntima, com os moradores da residência onde o trabalhador presta serviços”(13).

4. Conclusão

Continuam aplicáveis subsidiariamente ao processo do trabalho as regras do art. 405 e parágrafos do CPC.

Também são de incidência subsidiária os incisos do art. 228 do Novo Código Civil. Quanto ao parágrafo desse dispositivo, continua o juiz do trabalho tendo a faculdade de ouvir como informantes as pessoas impedidas ou suspeitas de depor, sendo estritamente necessário, para a prova dos fatos que só elas conheçam. A grande novidade, agora, é a possibilidade de também poder ouvir, como informantes, as pessoas incapazes.

É importante acentuar que as pessoas ouvidas como informantes (incapazes, suspeitas ou impedidas) não podem constituir prova plena no processo do trabalho, isoladamente, sendo necessária outra prova que a ratifique.

(1) VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 3.ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 1. p. 561.

(2) Da prova dos negócios jurídicos. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio/São Paulo: Renovar, 2002. p. 454.

(3) Ob. e p. cit.

(4) Ob. e p. cit.

(5) A prova no processo do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 348.

(6) Ob. e p. cit.

(7) Ob. e p. cit.

(8) O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho. 2.ª ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2003. p. 74.

(9) Ob. cit., p. 75.

(10) A prova, a CLT o Novo Código Civil. Suplemento Trabalhista LTr. Ano 39. 043/03. São Paulo: LTr, 2003. p. 202.

(11) Ob. p. cit.

(12) Ob. cit. p. 347-348.

(13) Ob. cit., p. 74.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

Cristina Maria Navarro Zornig

é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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